domingo, 21 de outubro de 2012

A Relação Jurídica ligada aos Direitos Subjectivos e aos Interesses Legítimos

A relação jurídica, tal como o nome indica, é uma interacção que se estabelece, neste caso entre a Administração e os sujeitos individualmente ou colectivamente considerados, através da sujeição a determinados direitos e deveres para ambas as partes.
De acordo com a doutrina clássica, podíamos falar em dois tipos distintos da concepção da relação jurídica: a concepção ampla e a concepção restrita.
Na Concepção Ampla da Relação Jurídica, defendida por Achterberg, acreditava-se que a relação surgia independentemente de um facto constitutivo, ie, não era necessário que ocorresse um determinado facto para dar origem à relação: esta existia à priori, à qual o autor designava por "relação quadro". Esta relação quadro, que à partida qualquer sujeito tinha com a administração, era como que uma relação jurídica geral, da qual apareciam os designados direitos absolutos. Com estes direitos, surgia então um direito de omissão da outra parte, vulgo, um direito de não violar esse absolutismo. Assim, a relação "concreta" (designada de relação especial) que se estabelecia à posteriori, era derivada dessa violação do direito absoluto existente na relação quadro, surgindo desta direitos relativos. De outra forma: existia uma relação quadro entre o sujeito e a Administração, sem necessidade de um facto constitutivo, que estabelecia direitos absolutos; se esses direitos absolutos fossem violados, é que surgia então a dita relação especial, passando a haver agora direitos próprios de uma relação (direitos relativos). Contudo, tal doutrina é fortemente criticada pelo prof. Vasco Pereira da Silva, que acredita que nem tudo deve ser "encaixotado" em relações, visto que estas não esgotam as situações existentes; nas próprias palavras do professor "se a relação só tem efectividade quando é violada, faz sequer sentido falar dela antes?"
Daí que o prof. Pereira da Silva seja adepto de outra concepção sobre a relação jurídica, a designada Concepção Restrita. Tal como Henke, Bauer e grande parte da doutrina alemã, o professor acredita que, para se estabelecer uma relação jurídica entre a administração e os sujeitos é necessário um facto que lhe dê origem, ou seja, um facto constitutivo; antes disto, é impensável falar numa relação já existente, ie, deixam totalmente de lado a ideia de uma relação quadro, tal como defendida na outra doutrina.
Para outros autores, como Jellinek, havia ainda que distinguir entre as seguintes premissas: estatuto jurídico e relação jurídica. A "Teoria do Estatuto", como defendida pelo autor, punha ênfase na possibilidade de um indivíduo actuar como sujeito face à Administração, sem precisar necessariamente de uma relação jurídica. Esta, por sua vez, concretizar-se-ia através de um acto administrativo praticado pelo Estado - este é que daria início à relação, e sem o dito acto, o que o sujeito detinha era um mero estatuto. Se atendermos à doutrina actual, a própria Constituição reconhece a existência de um estatuto jurídico dos indivíduos, como forma da não-aceitação de um Estado todo poderoso. Tal como defendido pelo prof. Jorge Miranda, não faz sentido falar em relação jurídica quando estão patentes direitos absolutos, visto que nem todos os direitos, liberdades e garantias precisam de exequibilidade legal.
É-nos ainda apontado, como elementos caracterizadores da matéria em causa, as vantagens e desvantagens da existência de uma relação jurídica como conceito central da Administração. Como vantagem principal, fala-se da igualdade de posições entre Administração e os sujeitos; como desvantagens, certos autores apontam-nos algumas ideias: a de que a existência de um grande número de relações levaria que não se adquirisse qualquer vantagem dessa relação e a de que a relação jurídica seria sempre desiquilibrada, devido ao poder da administração. O prof. Vasco Pereira da Silva faz determinadas considerações sobre o assunto, defendendo que não há nenhum desequilíbrio na relação entre administração e sujeitos, visto que estes últimos são titulares de direitos activos, tal como patente nos artigos 2º/1 e 7º do CPA.
Contudo, aquando a relação jurídica, é importante falar na existência de Direitos Subjectivos e de Interesses Legítimos. Num enquadramento histórico: o Estado, ao longo do seu desenvolvimento, atribuiu direitos aos indivíduos e, desta forma, para proteger os designados “Direitos Subjectivos”, o Estado criou uma Administração, que, na Teoria Clássica, era agressiva. Os indivíduos eram um mero objecto do poder soberano: meros sujeitos passivos. Esta teoria clássica utiliza a relação jurídica como fundamento de "relações de poder". O próprio direito objectivo definia o direito subjectivo como um instrumento de aplicação de normas jurídicas no interesse dos indivíduos.
Esta teoria assemelha-se em muito à concepção objectivista que defendia que o direito subjectivo público mais não seria do que o exercício de um poder público, do qual resultariam benefícios para o particular. Desta concepção objectivista segue-se a visão liberal, na qual se reconhece um nº maior de direitos subjectivos, contudo ainda limitado. O indivíduo não se encontrava numa posição de igualdade para com a Administração, pelo que ainda não poderíamos falar de equilíbrio; pessoa era vista como um "súbdito".
Com o reconhecimento dos Direitos Subjectivos, a História deu uma volta. O conceito de Direito Subjectivo teve origem alemã, mais precisamente com Buehler: "Qualquer posição jurídica do súbdito relativamente ao Estado, que tem por base um negócio jurídico, ou uma disposição jurídica vinculativa emitida para a protecção do interesse individual, por intermédio da qual ele se pode dirigir à Administração para exigir algo do Estado, ou pela qual se lhe permite fazer algo relativamente ao Estado”. Ora esta mesma definição possui três condições essenciais para a existência de um Direito Subjectivo: a existência de uma norma vinculativa, a intenção do legislador de proteger os interesses individuais, e a tutela jurisdicional da posição individual.
Bachof, por sua vez, irá retomar esta teoria e formular a Teoria da Norma de Protecção, que será maioritariamente adoptada pela doutrina alemã. Nesta refere que o individuo é titular de um direito subjectivo em relação à administração, sempre que de uma norma jurídica que não vise apenas a satisfação do interesse público (mas também a protecção dos interesses dos particulares) resulte uma situação de vantagem objectiva, concedida de forma intencional, ou ainda quando dela resulte a concessão de um mero benefício de facto, decorrente de um direito fundamental. Esta doutrina avista os indivíduos como verdadeiros sujeitos de direito, abandonando a visão legalista da teoria clássica e dos objectivistas, e mudando a razão pela qual a administração funcionava: outrora por interesse publico, agora para defender também os interesses individuais.
Não podemos descartar o papel importantíssimo das Constituições que vieram no auxílio da interpretação de normas codificadas, e cuja interpretação constitucional ajudava a clarificar se existia ou não um direito subjectivo. Assim fizeram com que se defendesse o primado da pessoa humana, o Estado Social, dando-se contudo ainda a limitação do poder estadual.  Estas constituições são, assim, fonte de direito subjectivo.
As fontes do direito subjectivo são várias: a Constituição, o Direito internacional, a lei ordinária, regulamentos e actos administrativos, e são titulares de direito subjectivo todos os que detenham direitos subjectivos ou interesses legítimos, que sejam titulares de interesses colectivos, ou cidadãos a quem a actuação administrativa cause prejuízos. A Jurisprudência possuiu também um papel de relevo no abandono da óptica legalista do direito subjectivo.
As posições de vantagens dos sujeitos em relação à Administração nem sempre foram vistas da mesma forma. Assim, ao longo do tempo, foram várias as concepções que perduraram: o interesse de facto conferindo aos indivíduos legitimidade processual (uma vez que possuem um interesse próximo ao da administração), o "direito à legalidade" ou "direito reflexo" (que os indivíduos fazem valer no processo), a existência de duas modalidades distintas de Direitos Subjectivos e Interesses Legítimos (consoante o poder de vantagem resulte imediata e intencionalmente das normas jurídicas - subjectivos - ou seja atribuído apenas de forma mediata e reflexa - interesses legítimos), a situação da existência de direitos subjectivos clássicos e de direitos subjectivos "novos, até à existência de uma única categoria de situações jurídicas dos particulares - a dos direitos subjectivos. Relativamente às duas primeiras concepções podemos dizer que já não são defensíveis. Contudo, as restantes, que atribuem ao sujeito direitos subjectivos, são as relevantes para a doutrina actual.
Torna-se assim importante, chegados a este ponto, recorrer a uma exemplificação casuística que ajude a perceber a diferença entre interesses legítimos e direitos subjectivos públicos. Imagine-se que abria um concurso público, emitido por uma empresa do sector empresarial do Estado, para preencher uma vaga ao nível de serviços de secretariado daquele. A redacção referia, entre outras coisas, que “as habilitações necessárias a ter são: nível de escolaridade secundário completa, diploma por parte de uma academia de línguas de inglês, francês e espanhol e um curso básico de informática”. Imaginando que a decisão por parte da entidade empregadora recai sobre uma pessoa que apresentou apenas o diploma de inglês e de espanhol, qualquer um dos concorrentes que queira impugnar o acto administrativo pode fazê-lo, na medida em que a pessoa que ocupou a vaga não preenchia os requisitos. Há um interesse legítimo que os protege contra a actuação da administração. O que não significa que quem impugnou o acto fique com a vaga, apenas é-lhe dada uma segunda oportunidade, um segundo concurso. Imagine-se agora que era decretada uma decisão administrativa em que ficava estipulado que, em virtude do alargamento de uma rua com o objectivo de construir um passeio para peões, todos os proprietários de imóveis dessa rua tinham o direito a ser indemnizados, à priori, no montante referente à perda de área da sua propriedade em função do preço avaliado, no espaço de 20 dias (antes do começo da obra). Decorridos os vinte dias, das quarenta moradias afectadas, apenas os proprietários de cinco tinham recebido indemnização. Qualquer um dos trinta e cinco restantes proprietários que não receberam a indemnização, podem impugnar o acto administrativo. Há um direito subjectivo que os protege na sua relação com a administração. Neste caso, os trinta e cinco proprietários, sem excepção, têm direito à indemnização que lhes era devida perante aquela actuação administrativa, porque tal indemnização era um direito seu.
Assim, aquando a existência de uma relação jurídica, é importante  referirmos a existência de direitos subjectivos e de interesses legítimos. Recapitulando: Direitos Subjectivos, de uma forma sucinta, seriam interesses dos sujeitos directa e imediatamente protegidos, e sujeitos a tutela jurisdicional plena. Por outro lado, os Interesses Legítimos seriam também merecedores de protecção jurídica, mas não com a característica da imediatividade e da tutela jurisdicional plena. Ora, o prof. Marcelo Rebelo de Sousa faz então um apelo a uma sub-distinção de interesses legítimos em indirectamente protegidos e reflexamente protegidos. Os primeiros seriam a existência de um interesse subalternizado a um outro interesse público ou privado (p.e., uma campanha de vacinação: o interesse primário do Estado seria o da protecção pública da saúde; mas um indivíduo que se vá vacinar nessa campanha, tentando proteger a sua própria saúde, está a ver o seu interesse tutelado não de forma directa, mas de forma indirecta através da campanha. Ou seja, o interesse do Estado seria o de proteger a saúde pública, e aqui, implícito está, a protecção da saúde de cada um). Os interesses reflexamente protegidos, por sua vez, só seriam protegidos quando há a tutela de outro direito (p.e., o fecho de uma fábrica por ilegalidade: as outras fábricas da concorrência ganhariam com o fecho da mesma, vendo o seu interesse tutelado não de forma directa, não de forma indirecta mas de uma forma reflexa - o Estado não estava de todo com a intenção de proteger o interesse da concorrência, mas apenas o de manter a legalidade das acções).
Isto é, há quem defenda uma diferença de natureza ou qualitativa, caso da doutrina em geral, como o prof. Freitas do Amaral. Por outro, caso do prof.Vasco Pereira da Silva, que defende que a diferença tem por base um critério quantitativo, ou seja, um critério de grau.
O prof. Vasco Pereira da Silva defende uma lógica de grau, e não de natureza como grande parte da doutrina. Recorrendo ao art. 268º nº3, 4 e 5 CRP, questiona o professor que outra coisa senão um direito subjectivo é um interesse legalmente protegido. Para este, direitos subjectivos e interesses legítimos devem ser reconduzidos á categoria unitária dos direitos subjectivos. São ambos formas de designar a posição do particular face à administração, o que pode variar é a extensão do conteúdo da relação a que esta se vinculou perante o particular. Assim sendo, a diferença não reside na própria existência de um direito, mas na amplitude do seu conteúdo. Nesta vertente, afirma-se que a CRP refere os Direitos e Interesses Legalmente Protegidos nos arts.º 268/3, 4, 5, onde os equipara a "situações jurídico-materiais dos indivíduos". A legislação ordinária visa os dois termos como sinónimos, fazendo deles meras vantagens do indivíduo perante a Administração. Desta forma, os Direitos Subjectivos, Interesses Legítimos e Interesses Difusos apenas variam em nome, mas são todos eles direitos subjectivos. Por isso o prof. Pereira da Silva afirma não ser necessário distinguir entre "direitos de 1ª categoria ou de 2ª categoria", já que os critérios de distinção seriam apenas de maior ou menor amplitude do conteúdo que a Administração está vinculada face ao particular, e as diferentes categorias que o direito subjectivo poderia admitir. Os Interesses Difusos, por sua vez, seriam o procedimento dos particulares junto da administração quando alegam que seus direitos foram lesados, são, segundo o prof. Freitas do Amaral, uma modalidade de Interesse Legítimo. Esta posição é rejeitada pelo prof. Pereira da Silva, porque entende que os interesses difusos constituem assim direitos de defesa decorrentes dos direitos fundamentais. Ao alargar a legitimidade para a intervenção no procedimento aos particulares afectados em "bens fundamentais" pela actuação administrativa, a Administração está a reconhecer direitos subjectivos aos titulares e destinatários destas medidas.
Fica ainda uma questão por tratar: serão os Direitos Subjectivos Públicos outorgados pelo Estado ou reconhecidos aos indivíduos como sendo inerentes a eles? A verdade é que esta questão nos leva a dois opostos aos direitos reconhecidos e aos atribuídos. Relativamente aos reconhecidos há quem diga que não podem ser negados pela administração, já que a sua natureza constitui já por si uma inviolabilidade para com a pessoa Humana – vejamos por exemplo o caso dos Direitos Fundamentais. Importa então aqui referir o importante papel dos Direitos Fundamentais no alargamento da noção de Direitos Subjectivos. Por outras palavras: o direito inerente de que o cidadão dispõe e que lhe permite uma prévia defesa dos seus interesses perante a actuação Administrativa, decorre dos seus Direitos Fundamentais que estão consagrados (formal ou materialmente) no ordenamento jurídico.
Contudo em relação aos Direitos subjectivos atribuídos a conclusão pode ser outra. Em relação a estes segundos podemos dizer que todavia estamos perante uma subjugação do Estado, onde ele nos dá ou retira, conforme seja melhor para o "interesse público". Caso disso é a retirada, em Espanha, da assistência sanitária a todos os emigrantes ilegais. A medida é exagerada? Talvez sim, mas o Estado Espanhol reagiu, mesmo que isso pusesse em conta a violação de um direito de igualdade. Deste modo, não seguirá o Estado num patamar superior ao do individuo? O prof. Vasco Pereira da Silva, afirma que é o reconhecimento dos direitos subjectivos inerentes ao particular faz com que o indivíduo passe de súbdito a cidadão, constituindo um fundamento da admissibilidade da relação jurídica entre este e a administração. Tal orientação vai de encontro com o estatuto e importância que o legislador constituinte deu ao cidadão (cf. art 1º CRP), como um princípio essencial do Estado de Direito, possibilitando ao particular a possibilidade de defesa preventiva dos seus interesses perante a administração, e condicionando a actuação administrativa a esse mesmo princípio (cf.art 266º nº1 CRP). Na opinião do professor, este entendimento afigura-se mais correcto face à realidade dos nossos dias, e que vem no seguimento lógico de uma administração agressiva, para uma Administração própria do Estado Social de Direito dos nossos dias (não obstante das particularidades que tem vindo a trazer o chamado Estado Pós-Social de Direito). Paulatinamente, face aos desafios impostos pela evolução da própria concepção do Estado, da concepção de Administração e da relação do cidadão com o Estado, afirma o professor que foi principalmente a jurisprudência (em particular a alemã), e não a doutrina que salientou a importância do alargamento da noção de direitos subjectivos públicos, com o objectivo de abarcar uma completa protecção dos privados.

Diogo Sousa  nº21906; 
Domingo Gomes  nº 20963;
Patrícia Silva  nº21940







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