sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Função administrativa no quadro das funções do Estado: critérios de distinção

O Estado, enquanto pessoa colectiva pública visa prosseguir fins diversos, isto é, fazer jus às necessidades colectivas, seja elaborando grandes planos de orientação, estipulando leis e decretos que vinculam os membros do território, seja através da resolução de problemas concretos que se lhes depara. Desta forma, para a prossecução de tais interesses é pressuposto a existência de aparelhos, órgãos e serviços, com determinadas funções diferenciadas entre si, para um melhor tratamento das temáticas e uma maior eficácia.
A maioria da doutrina defende a existência de quatro funções do Estado, entre as quais: política, legislativa, jurisdicional e administrativa (exceptuando a teoria do professor Marcello Caetano, que considerava haver uma outra, a função técnica, devido à produção de bens e serviços que, segundo este autor, teriam um carácter predominantemente técnico, e que desta forma seria fundamento para uma quinta função; contudo, actualmente, tal visão foi afastada, visto que, tal como é sustentado pelo professor Freitas do Amaral, todas as funções terem, umas mais, outras menos, um cariz técnico.)
A função política, juntamente com a legislativa, fariam parte das designadas funções primárias, visto terem o mesmo grau de paridade constitucional. Assim sendo, a função política será a prática de actos que, tendo em vista a prossecução de interesses públicos, estabelece relações com outros poderes do Estado e que traça os grandes planos do país, sendo o seu carácter de tal forma livre que apenas será limitado pela Constituição. Os seus actos, assim, terão carácter de relevância nacional e internacional, tendo impacto no funcionamento do Governo, onde incidirão mediatamente sobre a esfera dos sujeitos individualmente considerados ou nas próprias relações entre órgãos do Estado. Para o professor Jorge Miranda (como estipulado no "Manual de Direito Constitucional", tomo V), a função política divide-se em governativa stricto sensu (tendo as funções já referidas na função política) e em função legislativa (que seria o poder de criar e modificar a ordem jurídica através da elaboração de actos com forma de lei constitucional ou ordinária). Contudo, este agrupamento da função legislativa na função política não é consensual na doutrina, considerando grande parte dos autores que esta é uma função independente desta - tal como o professor Freitas do Amaral. Este autor sustenta ainda que a verdadeira diferenciação entre função legislativa e função administrativa  é o facto da administração estar subordinada à lei, critério esse que, em parte, é igualmente corroborado pelo professor Blanco de Morais, onde este afirma que tanto a função jurisdicional como a função administrativa estão subordinadas à lei, daí que não sejam independentes, e sejam portanto funções secundárias.
Desta forma, como funções secundárias temos primeiramente a função jurisdicional. Esta, grosso modo, é a administração da justiça, tal como estipulado no art. 202º, 1 da CRP. O professor Marcello Caetano vai ainda mais longe, designando que esta função dá a "definição de direito em concreto e em abstracto", através da apreciação de constitucionalidade e legalidade de actos jurídicos e com o julgamento de casos concretos; o autor sustenta ainda, como características desta função, a imparcialidade e a passividade.
Por fim, a função administrativa incide, tal como as restantes, sobre a satisfação de necessidades colectivas, através da produção de bens e da prestação de serviços, prosseguindo termos concretos fixados pela política, estando "submissa" à lei e aos tribunais. É ainda dotada de natureza executiva, e de parcialidade e iniciativa, ao contrário da função jurisdicional. A administração divide-se em sentido material, orgânico e formal. No sentido material, podemos falar, tal como afirmado pelo professor Marcelo Rebelo de Sousa, da actividade administrativa do Estado, prosseguindo fins como a manutenção da ordem e da segurança pública (através do serviço militar e policial), da efectivação de prestações aos particulares (através da atribuição de benefícios individuais e concretos - exemplo da atribuição das bolsas de estudo ) e do fornecimento de serviços públicos, sustentando a vida em sociedade. Contudo, tal como afirmado pelo professor Marcelo Rebelo de Sousa e como sustentado pela Constituição no seu art. 266º, 1, esta função pode coincidir com os interesses privados dos indivíduos, mas estes não podem ser a sua razão de ser, i.e., não podem ser a sua única finalidade, como que considerados isoladamente - tal, de acordo com os preceitos constitucionais e legais, não seria sustentável. Por outro lado, a administração em sentido orgânico será o conjunto de pessoas colectivas que exercem a função administrativa, através de critérios de parcialidade, iniciativa, pluralidade de órgãos e a sua interdependência, além da responsabilidade de cada titular dos órgãos. Por último, a administração em sentido formal é o poder de actuação da administração pública em sentido orgânico.
Através desta distinção de funções do Estado é-nos dado a entender o papel cada vez mais crescente da função administrativa, dado a crescente mutabilidade da sociedade e a necessidade de fazer face às suas situações concretas e à prossecução de interesses públicos.

Patrícia Felício Silva
nº21940

Sem comentários:

Enviar um comentário