sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Fundações públicas de direito privado – Uma realidade em extinção



As fundações públicas de direito privado são uma realidade em extinção.
Em primeiro lugar temos de esclarecer o que são fundações públicas de direito privado, de acordo com o artigo 4º nº 1 alínea c) da Lei 24/2012 de 9 de julho, são “fundações criadas por uma ou mais pessoas coletivas públicas, em conjunto ou não com pessoas de direito privado, desde que aquelas, isolada ou conjuntamente, detenham uma influência dominante sobre a fundação.”

São três os acontecimentos que levaram a esta situação de possível extinção:

1.       O programa de assistência económica e financeira da Troika a Portugal;

A Troika, constituída pela Comissão Europeia, pelo Banco Central Europeu (BCE) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), no seu Memorando, traçou como objetivo para a restruturação económica do país a racionalização dos encargos públicos. Em 2010, conforme os estudos indicam, existiriam em Portugal 13.700 entidades públicas, consumidoras de amplos recursos do Estado, das quais 639 eram fundações. Surgirá então o segundo acontecimento…

2.       Para averiguar se estes recursos estariam a ser realmente bem empregues, à luz da Lei 1/2012 de 3 de janeiro realizar-se-ia um censo às fundações. Os objetivos deste censo são:
a)      Avaliar a relação custo/benefício, portanto, a viabilidade financeira;
b)      Decidir sobre a redução, continuação ou extinção de apoios financeiros;
c)   Decidir sobre a manutenção ou extinção das fundações públicas (de direito privado e de direito público).

A realização deste censo daria origem à necessidade do terceiro e último acontecimento que leva à possível situação de extinção das fundações públicas de direito privado…

3.   A Lei 24/2012 de 9 de julho. Os principais objetivos desta lei são o controlo e a transparência. 

Como é garantido o controlo?  Através de várias medidas:
         ·    Registo numa base de dados única junto do Instituto de Registos e Notariado (artigo 8º). A indicação do número de registo nesta base constitui condição para a atribuição de apoios financeiros pelo Estado às fundações;
                   ·      Imposição de limites às despesas com pessoal e administração (artigo 10º). O incumprimento reiterado destes limites leva à caducidade do Estatuto de Utilidade Pública das fundações;
·               ·   A criação de um Conselho Consultivo das Fundações (artigo 13º). As suas funções são, entre outras, tomar posição, por sua iniciativa sobre qualquer assunto relativo às fundações e emitir pareceres;
         ·A criação de regras específicas quanto ao reconhecimento das fundações (artigo 6º) e quanto à alienação de património (artigo 11º).
 
 Como é efetivada a transparência?
       ·     Imposição da aprovação de Códigos de Conduta que autorregulem as boas práticas da fundação (artigo 7º).
    · A exigência de uma declaração sob compromisso de honra, prévia ao reconhecimento, que demonstre, que prove que não existem dúvidas ou litígios sobre os bens afetos à fundação sob pena de responsabilidade por falsas declarações e revogação de ato de reconhecimento (artigo 7º).
    ·  Envio obrigatório de informação (relatórios anuais de conta, composição dos órgãos) à PCM (artigo 9º).
    · Obrigação de colocar na Internet informação sobre a fundação (artigo 9º).
    ·  Entrega de relatório de contas e atividade (artigo 9º).
    ·  O incumprimento do disposto no artigo 9º impede o acesso aos apoios financeiros no ano seguinte e enquanto o incumprimento continuar.

Que consequências tem esta alteração da lei nas fundações públicas de direito privado?

A principal consequência são as limitações a que ficam sujeitas. Para começar, a criação ou participação em novas fundações públicas de direito privado por parte do Estado, Regiões Autónomas, Autarquias Locais e entidades públicas em geral, torna-se proibida. Em segundo lugar, há um controlo apertado dos membros dos órgãos destas fundações, não podem receber remuneração por cargos acumulados, não podem exercer seja a que título for outra atividade na fundação ou em entidades por ela apoiadas, não podem tomar parte em deliberações nas quais tenham interesses, tem um limite de 10 anos de mandato sob pena de caducidade após esse prazo. Para além destes limites, não devemos esqueçer de todos os outros já referidos, resultantes da Lei 24/2012 de 9 de julho, impostos para todo o tipo de fundações.

Perante o exposto concluo que, as fundações públicas de direito privado estão em risco de serem extintas pois, novas, como já vimos, não podem vir a surgir, e as que já existem estão sujeitas a um conjunto de regras rígidas que caso não sejam cumpridas podem determinar o corte do financiamento por parte do Estado. Por isso, a meu ver, esta mudança é positiva, há um maior controlo onde o Estado aplica os seus encargos públicos e se esses recursos estão a ser devidamente empregues, se não forem, o Estado deixa de comparticipar podendo desviar esse encargo para outra entidade pública ou privada que satisfaça realmente o interesse público.

Inês de Onofre
Nº 21937

Descentralização

           Contrariamente à concentração e à desconcentração, que dizem respeito à organização administrativa dentro de uma determinada pessoa colectiva pública, a centralização e a descentralização estão interligadas com as relações do Estado com outras entidades colectivas públicas. A centralização é um sistema em que todas as atribuições administrativas são, por lei, atribuídas ao Estado, enquanto a descentralização é um sistema em que a função administrativa está, para além do Estado, confiada também outras pessoas colectivas.
            Existem vantagens e desvantagens para cada uma destas categorias. Nomeadamente, a centralização tem como vantagem a unidade do Estado, sendo homogénea a sua acção política e administrativa, permitindo uma melhor coordenação do exercício da função administrativa. No entanto, a sua acção administrativa torna-se ineficaz, pois não consegue chegar ao encontro da resolução de problemas locais específicos e implica elevados custos.
            Por sua vez, a descentralização possibilita a participação dos cidadãos na tomada de decisões públicas que estejam relacionados com os seus interesses, é mais eficaz e tem também custos menores. É essencial a proximidade das pessoas colectivas públicas aos cidadãos, existindo assim uma maior sensibilidade nas questões a tratar e também um controlo mais eficaz. Apesar disso, apresenta algumas desvantagens como a descoordenação da função administrativa, e o mau uso de poderes discricionários por parte de pessoas que não o fazem da melhor forma.
            O sistema administrativo português é um sistema descentralizado, em consequência dos artigos 6º, nº1 e 267, nº2 da nossa Constituição.
            Contudo, a descentralização está submetida a certos limites que consistem em limites a todos os poderes da Administração e, aos poderes das entidades descentralizadas; limites à quantidade de poderes que se transferem para as entidades descentralizadas; e, por fim, limites ao exercício dos poderes transferidos.
            Quanto ao último ponto referido, os limites ao exercício dos poderes transferidos, este é feito, principalmente, pela tutela administrativa (art. 242º CRP). A tutela administrativa, segundo o Prof. Freitas do Amaral é «o conjunto dos poderes de intervenção de uma pessoa colectiva pública na gestão de outra pessoa colectiva, a fim de assegurar a legalidade ou o mérito da actuação». Ou seja, há duas pessoas colectivas distintas, em que uma é a tutelar e a outra a tutelada, sendo que o fim da tutelar é assegurar que a entidade tutelada cumpra as leis em vigor e garantir que sejam adoptadas soluções convenientes para a prossecução do interesse público.
            Questão que tem gerado controvérsia em Portugal, acerca da descentralização, é a reforma administrativa da diminuição drástica do número de freguesias existentes, como consequência da crise financeira pela qual Portugal está a passar. Esta reforma é baseada no “Documento Verde da Reforma da Administração Local”. Existem cerca de 4259 freguesias no nosso país e pretende-se reduzir aproximadamente mil, por aglomeração, tendo em conta as características das freguesias.
          O “Documento Verde da Reforma da Administração Local” refere que a Administração Local defende no seu todo a melhoria da prestação do serviço público, o aumento de eficiência, pela redução de custos, levando em consideração as especificidades locais, como a existência de diferentes tipologias de territórios (como áreas urbanas, áreas rurais). A Reforma da Administração Local visa o reforço do Municipalismo, a promoção da coesão e a competitividade territorial através do Poder Local.
           Por um lado, justifica-se a extinção de algumas freguesias, principalmente as que possuem um reduzido número de habitantes, como fundamento para a redução de custos e para o aumento da eficiência, visto que em mais de 4000 freguesias haverá certamente muitos casos de falta de preparação para o exercício das funções e, portanto, de mau uso dos poderes públicos. No entanto, o desaparecimento de algumas freguesias irá gerar a perda de identidade das regiões, inevitavelmente.
            Posto isto, a extinção em massa das freguesias de Portugal, em teoria, consagra a eficiência, a optimização, o reforço das competências das freguesias, uma maior proximidade. No entanto, na prática não saberemos se irá um pouco contra a descentralização, na medida em que o número dos funcionários das freguesias irá diminuir e que, portanto, originará uma redução da proximidade das pessoas colectivas públicas para com os cidadãos, sendo certos problemas tratados de uma forma mais geral e não com a especificidade e sensibilidade que por vezes é necessária a cada caso concreto.

 
http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=2800831&page=-1

 
http://www.anafre.pt/informacoes-gerais/noticias/imagens/Doc_Verde_Ref_Adm_Local.pdf


Ângela Almeida nº22038

Descentralização e Desconcentração Administrativas (diferenças)

DESCONCENTRAÇÃO
DESCENTRALIZAÇÃO
- distribuição dentro da mesma pessoa jurídica
- deslocamento para uma nova pessoa (pode ser física ou jurídica)
- baseia-se na hierarquia (há subordinação)
- não existe hierarquia, mas há controle e fiscalização (sem subordinação)
- Ex.: distribuição entre órgãos da mesma pessoa jurídica
- Ex.: transferência para as pessoas da Administração Indirecta ou para particulares


As definições e as diferenças entre descentralização administrativa e desconcentração administrativa não são de difícil apreensão, embora por vezes os alunos as confundam. Assim, de forma a evitar futuros erros, aqui fica um pequeno esclarecimento.
A actividade administrativa pode ser prestada de duas formas, uma é a centralizada, pela qual o serviço é prestado pela Administração Directa, e a outra é a descentralizada, em que a prestação é deslocada para outras Pessoas Jurídicas.
Entende-se por descentralização a transferência de poderes e/ou competências entre pessoas colectivas de direito público diferentes, ou seja, entre distintas entidades públicas.
Cabe distinguir o conceito nos diferentes planos:
  No plano jurídico: é descentralizado todo o sistema no qual a função administrativa esteja confiada não apenas ao Estado, mas também a outras pessoas colectivas territoriais (como as autarquias locais).
  No plano político-administrativo: existe descentralização sempre que os órgãos das autarquias locais sejam livremente eleitos pelas respectivas populações, a lei os considera independentes a nível de atribuições e competências e ainda estando sujeitos a formas atenuadas de tutela administrativa.
Os conceitos são diferentes, pois pode haver, por exemplo, num sistema juridicamente descentralizado, centralização sob o ponto de vista político-administrativo.
A descentralização pode ainda variar quanto às formas (territorial, institucional ou associativa, estas últimas prefere o Prof. Freitas do Amaral chamar de «devolução de poderes», reservando o termo descentralização para a primeira forma) e quanto aos graus.
Diferentes desses conceitos são os de concentração e desconcentração. Estes dizem respeito à organização administrativa de uma determinada pessoa colectiva, sem se associar com as relações entre o Estado e as demais pessoas colectivas que cumpram a administração pública (como sucede com a descentralização) mas uma questão que se levanta apenas dentro do Estado ou interna a qualquer outra entidade pública. Assim, a concentração e a desconcentração reportam-se à organização interna de cada pessoa colectiva, já na centralização e na descentralização, estão em causa diversas pessoas colectivas ao mesmo tempo.


A concentração ou desconcentração prendem-se com a organização vertical dos serviços públicos (ausência ou existência de distribuição vertical de competências entre diversos graus ou escalões da hierarquia).

Podemos então concluir que desconcentração se traduz na distribuição do serviço, das competências, dentro da mesma pessoa jurídica, no mesmo núcleo, conferindo-se a funcionários ou agentes subalternos determinados poderes decisórios que numa administração concentrada ficariam reservados apenas ao superior.

 Mª Rita Anunciação

O DEVER DE OBEDIÊNCIA DE UM SUBALTERNO NA RELAÇÃO HIERÁRQUICA
dever de obediência traduz-se na obrigação de o subalterno cumprir as ordens e instruções dos seus legítimos superiores hierárquicos, dadas em objecto de serviço e sob a forma legal (art. 3.º, n.º 7, do Estatuto Disciplinar).
Desta noção resultam os seguintes requisitos: (i) que a ordem ou as instruções provenham de legítimo superior hierárquico do subalterno; (ii) que sejam dadas em matéria de serviço; (iii) e que revistam a forma legalmente prescrita.
Mas se a ordem, derivando de legítimo superior do subalterno, sobre matéria de serviço e  pela forma devida, for intrinsecamente ilegal, implicando, portanto, se for acatada, a prática pelo subalterno de um acto ilegal ou mesmo ilícito,
Quid Juris?
Para responder a esta questão surgiram várias correntes.
corrente hierárquica, considera existir sempre dever de obediência, não assistindo ao subalterno o direito de interpretar ou questionar a legalidade das determinações do superior. Como defensor desta corrente temos o Prof. Marcello Caetano.
Diferentemente, a corrente legalista, defende não existe dever de obediência em relação a ordens consideradas ilegais.
Numa formulação restritiva desta última corrente, aquele dever cessa apenas se a ordem implicar a prática de um acto criminoso. Numa opiniãointermédia, o dever de obediência cessa se a ordem for patente e inequivocamente ilegal, por ser contrária à lei ou ao espírito da lei. Consequentemente, há que obedecer se houver mera divergência de entendimento ou interpretação quanto à conformidade do comando. Já numa enunciação ampliativa, advoga que não é devida a obediência à ordem ilegal, seja qual for o motivo da ilegalidade, dada a supremacia da lei sobre a hierarquia (assim, João Tello de Magalhães Collaço).
O Prof. Freitas do Amaral inclina-se para a corrente legalista – dado o princípio do Estado de Direito democrático (preâmbulo da CRP) e a submissão da Administração Pública à lei art. 266.º, n.º 2, da CRP) –, mas numa orientação moderada.
Na lei portuguesa, prevalece um sistema legalista mitigado, assim resulta dos arts. 271.º, n.ºs 2 e 3, da CRP, e 10.º do Estatuto Disciplinar de 1984.
Deste sistema decorre que em relação às ordens ou instruções emanadas do legítimo superior hierárquico, em objecto de serviço e com a forma legal há dever de obediência (arts. 271.º, n.º 2, e 3.º, n.º 7, do Estatuto).
No entanto, não há dever de obediência sempre que o cumprimento das ordens ou instruções implique a prática de qualquer crime (art. 271.º, n.º 3, da CRP) ou quando as ordens ou instruções provenham de acto nulo (art. 134.º, n.º 1, do CPA).
Há, ainda, dever de obediência em relação a todas as restantes ordens ou instruções. Contudo, se forem dadas ordens ou instruções ilegais (ilegalidade que não constitua crime nem produza nulidade), o funcionário ou agente que lhes der cumprimento só ficará excluído da responsabilidade pelas consequências da execução da ordem se antes da execução tiver reclamado ou tiver exigido a transmissão ou confirmado delas por escrito, fazendo expressão dessa menção de que considera ilegais as ordens ou instruções recebidas (art. 10.º, n.ºs 1 e 2, do Estatuto). Quando, porém, tenha sido dada uma ordem com menção de cumprimento imediato, será suficiente para a exclusão da responsabilidade de quem a cumprir que a reclamação, com a opinião sobre a ilegalidade da ordem, seja enviada logo após a execução desta (art. 10.º, n.º 4, do Estatuto).
Se o funcionário ou agente, antes de proceder à execução, tiver reclamado ou exigido a transmissão ou confirmação da ordem por escrito, duas hipóteses se podem verificar, enquanto não chega a resposta do superior hierárquico (art. 10.º, n.º 3, do Estatuto).
Numa primeira situação    se a demora na execução não causar prejuízo para o interesse público: o funcionário ou agente subalterno pode legitimamente retardar a execução até receber a resposta do superior, sem que por esse motivo incorra em desobediência.
Num quadro diferente, se a demora na execução causar prejuízo para o interesse público: o subalterno deve comunicar logo por escrito ao seu imediato superior hierárquico os termos exactos da ordem recebida e do pedido formulado, bem como a não satisfação deste, e logo a seguir executará a ordem, sem que por esse motivo possa ser responsabilizado.

Visto isto, cabe ainda analisar se o dever de obediência a uma ordem ilegal entra numa excepção ao princípio da legalidade (que impõe à Administração Pública uma acção com fundamento na lei e dentro dos limites por esta estabelecidos).

Na opinião do Prof. Paulo Otero não se trata de uma excepção ao princípio da legalidade visto o cumprimento de uma ordem ilegal resultar, neste caso, da própria lei concluindo que o que se passa é que a lei permite uma legalidade especial circunscrita ao âmbito da actividade administrativa.
O Prof. Freitas do Amaral, por sua vez, considera que o dever de obediência é uma excepção ao princípio da legalidade, mas é uma excepção que é legitimada pela própria Constituição, no seu art. 271.º, n.º 3. Isso não significa, porém, que haja uma especial legalidade interna: uma ordem ilegal, mesmo quando tenha de ser acatada, é sempre uma ordem ilegal – que responsabiliza o seu autor e, eventualmente, a própria Administração. Não parece de admitir, num Estado de Direito, a figura de uma “zona de legalidade especial constituída por todas as ordens ilegais dadas pelos superiores hierárquicos a que seja devida obediência”. Sendo preferível admitir que, por razões de eficiência administrativa, a Constituição entende dever abrir uma ou outra excepção ao princípio da legalidade, a aceitar que a generalidade das ordens ilegais e dos seus actos de execução façam parte integrante do bloco de actos legais praticados pela Administração.


Aqui fica um esquema meu sobre esta matéria que talvez possa ajudar no vosso estudo.

Mª Rita Anunciação

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Parcerias Público-Privadas: A questão das SCUT


O conceito de Parcerias Público-Privadas (PPP) já não é estranho a ninguém devido à posição protagonista que o tema da extinção das SCUT tem vindo a ter na comunicação social e igualmente a nível político.

Apesar de “se ouvir muito por aí”, temos de esclarecer o que são, de facto, as PPP. Podemos encontrar a definição de PPP no artigo 2º, número 1, do  Decreto-Lei nº 86/2003 de 26 de Abril com a redação dada pelo Decreto-Lei nº 141/2006 de 27 de Julho: “entende-se por parceria público-privada o contrato ou a união de contratos, por via dos quais entidades privadas, designadas por parceiros privados, se obrigam, de forma duradoura, perante um parceiro público, a assegurar o desenvolvimento de uma atividade tendente à satisfação de uma necessidade coletiva, e em que o financiamento e a responsabilidade pelo investimento e pela exploração incumbem, no todo ou em parte, ao parceiro privado”. 

Da leitura deste artigo retiramos que as PPP têm duas partes, de um lado, um parceiro público, do outro, um parceiro privado. Neste caso concreto, na questão das SCUT, o parceiro público é o Estado português, o parceiro privado é a empresa privada Estradas de Portugal (EP). É desta parceria público-privada que surgiram as chamadas SCUT, abreviatura para “Sem Custo para os Utilizadores”. O objetivo desta PPP foi a construção de autoestradas, pela EP, que ligassem o Norte ao Sul, o Litoral ao Interior do nosso país. A finalidade desta PPP cumpre, portanto, o requisito disposto no artigo referido do Decreto-Lei nº 86/2003 de 26 de Abril, o de satisfazer uma necessidade coletiva, a construção das SCUT possibilitou uma maior mobilidade dentro do país, uma diminuição da duração das viagens feitas, em consequência, decresceu o isolamento das regiões interiores e, pelo facto de não serem portajadas, os utilizadores dessas estradas têm a possibilidade de circularem por um menor custo.

Como já verificamos, esta PPP foi benéfica para o interesse geral dos portugueses, no entanto, as condições contratuais desta já não se podem considerar tão vantajosas para o Estado. A EP seria responsável pela construção, exploração, manutenção, gestão, renovação e financiamento das autoestradas, isto é, o Estado não pagaria estes custos, em contrapartida, a EP tornar-se-ia concessionária destas infraestruturas. Até agora, o parceiro público, o Estado, mantem uma posição favorável. Contudo, o Estado é obrigado a pagar uma renda anual convencionada pelas partes e, no caso do custo da construção das estradas ser superior ao lucro, este tem a obrigação de pagar a diferença à EP. Outro aspeto negativo desta PPP, é o facto da questão custo/lucro referida, assentar em suposições irrealistas, por exemplo, as partes estipulam que numa determinada estrada passaram trinta mil veículos por mês, se só passarem dez mil, o Estado tem de pagar o défice de tráfego à concecionária. Deste modo, o Estado fica responsável por todo e qualquer prejuízo futuro após a construção, enquanto que a EP apenas paga os custos iniciais da construção e alguma manutenção que possa vir a ser necessária. Esta situação leva facilmente o Estado a endividar-se. Chega-se à conclusão que nesta PPP a verdadeira vantagem que o Estado obtém é a satisfação de uma necessidade coletiva, ficando assegurado um interesse geral e o bem comum dos portugueses.

Como é dito inicialmente, as SCUT são uma realidade do passado, foram extintas. Esta “injustiça contratual” é, na minha opinião, a principal causa para essa extinção, pois leva o Estado a criar dívidas para com o parceiro privado. Vivemos num período de crise económica e de cortes orçamentais, o que leva o Estado a não conseguir suportar os custos desta PPP sozinho e consequentemente perde também a capacidade de substituir o utilizador no pagamento da portagem como era feito no sistema das SCUT, abolindo este sistema os utilizadores das autoestradas passam a ser obrigados a pagar portagem e assim o Estado pode utilizar esse dinheiro para cobrir os custos desta PPP.
Perante este quadro de circunstâncias, a meu ver, a satisfação coletiva é bastante menor, apesar dos percursos construídos continuarem a existir, o seu custo é muito elevado levando muitas pessoas a escolher um caminho mais longo mas mais barato como é noticiado na comunicação social .


A partir da análise desta questão penso que o regime das PPP deveria ser sujeito a uma reforma que trouxesse uma maior igualdade de vantagens e desvantagens entre o parceiro público e o parceiro privado, sempre tendo em conta o interesse superior do bem-comum









                                                                                                         Inês de Onofre. Nº 21937

As Fundações Público-Privadas. Um olhar sobre o artigo do Dr. Domingos Soares Farinho


 A questão das fundações, nomeadamente no que concerne seu enquadramento jurídico, é um ponto bastante denso e complexo, no que ao Direito administrativo diz respeito. Não cabe neste post (nem me revejo com capacidades para tal) solucionar o problema nem apresentar uma visão indesmentível. Cabe, isso sim, tentar passar as traves mestras de um artigo do Dr. Domingos Soares Farinho, intitulado “PARA ALÉM DO BEM E DO MAL: AS FUNDAÇÕES PÚBLICO-PRIVADAS”, inserido nos Estudos em Homenagem ao Professor Marcello Caetano, que é um excelente guia para uma abordagem diferente a esta temática das fundações. A análise ao artigo é, a meu ver, uma excelente forma de entrar pela realidade das fundações e tirar umas primeiras conclusões sobre o tema.

O autor começa por falar numa “esquizofrenia” da figura fundacional, que olhada sob o prisma de direito público é uma coisa, sob o prisma de direito privado é outra. E, desde logo, é importante frisar um ponto que para o Dr. Domingos Soares Farinho é absolutamente fulcral: a divisão entre Direito Público e Direito Privado é insuficiente para definir esta questão das fundações; a Dicotomia não responde aos problemas que estas levantam, pelo que é opinião do autor que era conveniente que se desse lugar a um novo regime que não se moldasse pelos velhos paradigmas.  Diz o autor:“As profundas alterações que o Estado sofreu nos últimos trinta anos e as alterações que continua a sofrer permitem a emergência de novos paradigmas de organização e funcionamento social que devem constituir o quadro jurídico-político em que o jurista se deverá movimentar para tentar compreender a natureza, funcionamento e missão das fundações neste princípio de século. A díade Estado-Sociedade já não basta para explicar tudo. E, assim, naturalmente a summa divisio entre Direito público e direito privado também não bastará ao jurista que pretende trabalhar sobre a realidade que tem a sua frente”.  Ou ainda, citando Pedro Gonçalves, existem “zonas cinzentas” entre o Direito Público e o Direito Privado que deixam por definir as fundações. Daí se extrai o título do artigo e do mesmo se retira a solução do autor: o recurso às fundações Público-Privadas, que não se enquadrando na dicotomia clássica “Está livre para resolver os reais problemas que nascem e se colocam ao Estado e Sociedade actuais”.

Mas, então, como classificar a pessoa colectiva fundacional? A doutrina tem proposto vários critérios , sendo no artigo citada a sistematização do Professor Carlos Blanco de Morais.
Primeiramente, o critério da Natureza do Acto de Criação, que não colhe, pelo facto de existirem Fundações qualificadas como de direito privado, que são criadas pelo Estado através de um acto público, seja sob a forma de lei seja sob a forma de decreto normativo. E aqui se fala igualmente no famoso fenómeno da “fuga para o Direito Privado”, que consiste na prossecução, pelo Estado, de determinados interesses públicos específicos através de institutos regulados pelo Direito Privado. Os motivos para essa fuga poderão estar na flexibilidade, competitividade e eficiência do Direito Privado face ao Direito Público. A este propósito Domingos Soares Farinho refere um novo modelo, um novo paradigma, que consiste na prossecução partilhada do interesse público, ou seja, o Estado quer utilizar as mesmas regras que os sujeitos privados utilizam para prosseguir os mesmos fins que o Estado se propõe a prosseguir mas que não pode ou não quer assegurar directamente. É também apresentado o critério dos fins da pessoa colectiva que não tem, para Domingos Soares Farinho, aceitação. E ainda o terceiro critério, da Relação Jurídica. Este tornou-se o preferido da doutrina. Diz o critério que uma fundação controlada por um ente público e dotada de jus imperii deveria ser considerada uma fundação de direito público, sendo as restantes fundações criadas pelo Estado fundações de Direito Privado. Porém, o autor do artigo coloca algumas interrogações a estes argumentos. No que diz respeito ao argumento do controlo por um ente público, Domingos Soares Farinho considera-o pouco rigoroso e insuficiente, e di-lo porque “O Estado detém hoje (...) importantes poderes de fiscalização e quase tutela sobre as fundações de Direito Privado puras”. No tocante ao jus imperii, o autor enfatiza que desde há muito se entende que as entidades concessionárias detêm determinados poderes públicos de autoridade.
É então em face do exposto que se deve concluir que nenhum dos critérios elencados pela doutrina parece suficiente. E tal conclusão não deve surpreender, visto que, advoga Domingos Soares Farinho, “procurar critérios para distinguir as fundações entre públicas e privadas seria sempre tarefa inglória, pois determinadas configurações fundacionais não são aptas a prosseguir os fins que o direito público ou privado pretendem regular”.
É deste modo, findas as considerações gerais e as tentativas de estabelecimento de critérios de distinção entre as fundações de Direito Público e privado, que chegamos à análise dos vários tipos de fundação.

Assim, as fundações de Direito Privado.
São historicamente as primeiras a surgir, mas nem por isso se pense que melhor se autonomizaram do poder devido à sua condição. Diz DSF que Marcello Caetano é inequívoco, citando-o, “As fundações devem ser sempre sujeitas à fiscalização e tutela do Estado”, mas, acrescenta o autor, não se trata apenas de fiscalização e tutela. No tocante às fundações, e diferentemente do que sucede com as associações, a intervenção do Estado consiste num momento inicial de controlo discricionário (o acto de reconhecimento), mas mantém-se ao longo da vida da fundação através de diversos actos de gestão e fiscalização.
O acto de reconhecimento sucede ao acto de instituição, acto inicial do procedimento fundacional. Trata-se da manifestação de vontade pela qual o instituidor afecta um património à realização de um fim duradouro. O Reconhecimento, por seu turno, deve averiguar a licitude do fim, a suficiência do património, e a organização adequada. Refira-se, neste contexto, que a constituição prevê o direito de associação (artigo 36º, nº1), mas não existe qualquer direito semelhante para o direito a constituir uma fundação. O entendimento histórico das fundações foi sempre de controlo e constrangimento (e isto por razões fiscais, económicas e políticas). No tocante aos actos de gestão e fiscalização, são incumbências do poder público a elaboração dos estatutos, a modificação dos mesmos, a transformação da fundação ou mesmo a sua extinção.
E com isto se conclui portanto que as fundações de Direito Privado têm, face ao poder público, um grau de autonomia bastante relativo.

E as fundações de Direito Público?
É conhecida a tripartição da administração pública entre Directa (uma pessoa colectiva, o Estado), Indirecta e Autónoma. A administração indirecta é composta por número variado de pessoas colectivas públicas que foram criadas “para maior facilidade de gestão”. Parte dessa administração indirecta é constituída pelos “entes públicos institucionais”, conforme refere Vital Moreira, dentro dos quais se encontram inseridas as Fundações Públicas. Diz o professor Fausto  de Quadros que as Fundações de Direito público são criadas por lei ou acto administrativo, que as fundações de direito privado são criadas por negócios jurídicos privados, e que as fundações públicas são fundações de direito público ou privado consoante prossigam fins exclusivamente ou também públicos, ou visem somente a prossecução de interesses privados. A lei-quadro dos institutos públicos, no seu artigo 6º, determina que as fundações públicas estão sujeitas ao Direito Público. E foi para obstar a este tipo de restrições que a Administração pública começou a optar por utilizar o direito privado, como já anteriormente foi referido.

A Fundação Público-Privada.
Todas as entidades privadas que prosseguem fins não lucrativos socialmente relevantes podem dar um contributo essencial para a prestação de funções públicas que o Estado pode não querer ou poder prestar. Este terceiro sector configura um espaço novo, na medida em que se caracteriza por elementos pertencentes ao Estado e à Sociedade, surgindo como um espaço híbrido que supera a clássica díade.
Para cada momento histórico desta díade Estado-Sociedade, o Direito criou soluções específicas. As fundações privadas têm sido e continuam a ser uma resposta do direito às vontades individuais em destacas das suas esferas jurídicas e submetê-lo à prossecução de interesses específicos, socialmente relevantes. As fundações públicas surgem como formas privilegiadas do Estado prosseguir interesses públicos específicos que convoquem a movimentação e utilização de fundos a eles subordinados. As fundações públicas floresceram com o Estado social. Porém, hodiernamente, a relação Estado-Sociedade já não é correspondente ao modelo liberal ou social mas sim a uma superação dos dois. As fundações público-privadas surgem, neste contexto, como um instituto jurídico que reflecte uma nova manifestação histórica da díade Estado-Sociedade.
Iniciativa de criação: O acto constitutivo não é relevante, pelo que a fundação público-privada poderia ser constituída por qualquer acto público ou privado apto para constituir uma fundação. O problema que se poderá levantar é quanto à prossecução partilhada de fins socialmente relevantes (prende-se com a essência da missão pública). Se no modelo de Estado liberal o Estado não combate a fragmentação da Sociedade nem pretende suprir ou substituir a sociedade, mas, inversamente, escolhe áreas que considera essenciais e retira da esfera privada, já no modelo de Estado Social, diferentemente, o estado assume o combate contra a fragmentação social, tornando-se prestador. No modelo pós-social que vivemos o Estado reconheceu que a sociedade desenvolve mecanismos próprios de interligação e combate à fragmentação. O que se espera agora do Estado é que garanta que as iniciativas da sociedade são justas e eficientes, ou que promova, ele próprio, parecerias de prossecução integrada de interesse público, em que se assume como parceiro garante da justiça e essência nessa mesma prossecução. É o que se chama o Estado-Garantia.
Autonomização do património: No tocante à autonomização privada do património, diz o autor que esse acto é livre. Já a situação de autonomização de património público para a instituição de uma nova pessoa colectiva - a fundação público-privada – levanta questões diversas. Apesar da opção por uma pessoa colectiva diferente, é ainda e sempre de natureza pública que falamos. Porém, tal recurso a pessoas colectivas diversas, e a parceria com privados, inverte a questão do princípio da legitimidade. Defende o autor que os cidadãos, enquanto contribuintes e garantes dos fundos públicos, devem legitimar a transferência de fundos originariamente públicos que, pela sua integração em nova pessoa colectiva público-privada, perderão tal natureza.
Fim de interesse social: O fim da fundação público-privada é o seu elemento determinante. E a este respeito é importante salientar que fim de interesse público e fim de interesse social não são sinónimos. No que diz respeito ao Estado, é necessário que o fim de interesse social seja um fim de interesse público, isto é, que seja um fim reconhecido normativamente pelo Estado como sua tarefa. Depois, é necessário que este fim de interesse social seja de tal modo qualificado que não permita a prossecução exclusiva pelo Estado através do Governo, por outra pessoa colectiva pública, fundações públicas no caso, ou através de uma fundação de direito privado de origem pública.
Modelo organizativo: O modelo organizativo das fundações público-privadas deverá seguir o modelo organizativo típico fundacional, no que aliás, fundação pública e fundação privada pouco divergem.
Atribuição de poderes públicos à fundação público-privada: A pessoa colectiva fundacional público-privada pode ser dotada de poderes públicos de autoridade. Sendo que estes não decorrem da sua parcial natureza pública, mas sim sim da prossecução de fins de interesse social.
Vinculações de Direito Público: O privado tem vantagens em associar-se ao Estado, e isto tanto a nível fiscal como no aproveitamento do jus imperii do Estado na prossecução do interesse público. Já quanto às constrições que se impõem ao ente público que quisesse participar numa fundação público-privada estas cingir-se-iam a duas questões essenciais: determinação e controlo dos fundos públicos (que DSF considera uma falsa questão, visto que esta poderia ser juridicamente protegida de modo a que o valor dispendido fosse continuadamente mantido sob pena do ente público se retirar da parceria) e autonomização e garantia dos controlos essenciais de gestão (que o autor aprecia como não sendo uma novidade no sector empresarial do Estado, com referência à existência de direitos accionistas especiais, cuja coordenação de interesses é bem mais complexa que a da fundação público-privada). As vinculações jurídicas impostas pela prossecução de interesse público no exercício de poderes públicos são, na opinião do Dr. Domingos Soares Farinho, extensíveis a esta questão das fundações público-privadas. Assim, os Direitos Fundamentais. O que está em causa é a vinculação parcial de tais entidades à denominada constituição administrativa (mas apenas na estrita medida dos poderes público-privados exercidos, que se devem resumir a um núcleo essencial em relação directa e necessária com a prossecução dos fins socialmente relevantes a prosseguir). Acrescenta o Doutor que, na ausência de um direito específico para as pessoas e a actividade público-privada, as fundações público-privadas ficam sujeitas a um regime duplo, de direito administrativo e de direito civil.

Domingos Soares Farinho acaba por concluir o seu estudo assumindo que a exposição que elabora é acima de tudo prospectiva e dilemática. Vendo nas fundações um elemento privilegiado, como pessoas colectivas, para a prossecução do interesse público, o autor é partidário da ideia de que faz todo o sentido que, ultrapassada a desconfiança do Estado em relação à Sociedade, este se associe a tipos de pessoas colectivas que, prosseguindo fins altruístas, prosseguem fins a que a Administração Pública tem estado cometida. O autor conclui o seu estudo dizendo que é essencial às fundações público-privadas a existência de mecanismos de controlo da estabilidade do património público autonomizado e da despesa efectuada, mas também a existência de mecanismos de autoridade pública que permitam agilizar e normalizar a prossecução dos fins propostos. Deste modo, as fundações público-privadas poderão desempenhar um papel fundamental na prossecução de interesses sociais de relevo, sobretudo em áreas nas quais ainda hoje existem largas áreas de insuficiência, injustiça e insegurança.


Este artigo do Dr. Domingos Soares Farinho parece-me particularmente interessante por fugir do paradigma de Direito que desde o primeiro dia enquanto estudante da Faculdade me foi apresentado. A ruptura com o instituído binómio de Direito Público e Direito privado torna um pouco mais simples a compreensão desta temática das fundações. Estas geram grande confusão de classificação, isto, está claro, na perspectiva de um estudante do segundo ano, e a abertura de uma terceira via classificatória acaba por tornar mais simples inclusivamente a compreensão das outras duas, das clássicas atribuições ao Direito Público e ao Direito Privado.
É certo que o que está em causa é somente uma ideia, uma visão diferente que o Doutor apresenta desta temática das Fundações que, como tão bem enfatiza ao longo do seu estudo, está em constante mutação. O que, porém, não preclude que se reflicta sobre a mesma.
Com este post não pretendo deixar clarificada a dificuldade de classificação das fundações (Se nem o Doutor Domingos Soares Farinho o pretende...), mas sim transmitir aos colegas uma perspectiva que me parece fundamental conhecer, porque dota o jurista de um olhar diferente sobre esta temática.

Tiago Quaresma,
                                                                                                                                                   Nº22115

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

A Discricionariedade Administrativa


A Discricionariedade Administrativa 
A Administração Publica não dispõe de liberdade constitutiva para escolher os fins que prossegue. Quem define esses fins é o legislador, que é também responsável pela selecção dos órgãos competentes para os prosseguir: daí que tudo o que diz respeito aos fins e competências seja matéria em que a administração está vinculada à lei. Muitas vezes também a lei impõe os meios que a administração há-de usar para atingir o fim público previsto na norma (actos vinculados). Mas há outros casos em que a lei se limita a definir o fim e os órgãos competentes para prosseguir. Neste ultimo caso podemos dizer que há uma margem de livre decisão, ou, discricionariedade.
​            Na época de Estado de Direito Liberal, a discricionariedade correspondia a toda a actividade administrativa que não interferisse com matérias jurídicas. Primeiramente, a administração gozava de um poder discricionário na medida em que estávamos perante matérias que não disputavam com a lei. O princípio da legalidade colocou a lei como acto normativo supremo e irresistível. Hoje, a discricionariedade tem de ser entendida como uma concessão legislativa à administração. É um poder próprio na decisão de casos concretos. Em suma, podemos referir que a discricionariedade é a escolha entre várias alternativas de actuação juridicamente admissíveis. Assim, na acção, a administração pública pode agir ou não; pode ter várias escolhas; pode actuar de maneira criativa no sentido de ter alternativas distintas; e pode agir por vários elementos técnicos extra-jurídicos. A discricionariedade só é compatível com o princípio da legalidade, isto é, a discricionariedade descobre na lei um limite/fundamento para sua actuação.
​            O poder discricionário assumia um carácter não jurídico. Mas hoje não podemos fazer a distinção dessa maneira. O direito não é mera legalidade, sendo também constituído por princípios jurídicos fundamentais, pela Constituição, pelo Direito internacional, por princípios gerais de direito administrativo, por regulamentos administrativos e pelos próprios actos administrativos. Assim, o poder discricionário tem que ser hoje concebido como um poder jurídico, em que se exige à administração uma “tensão criadora do Direito do caso concreto” – Prof. Rogério Soares.
​            A maior ou menor extensão do poder discricionário relaciona-se com dois princípios: o princípio do Estado de Direito e o princípio da separação dos poderes. Relativamente ao primeiro, podemos dizer que procura defender os interesses dos cidadãos. Todavia, tendo um pensamento antigo da administração agressiva, e inimiga dos cidadãos, procura-se que haja uma maior vinculação da administração à lei. Assim, tem de haver um maior controlo da actividade administrativa pelos tribunais. Já o segundo princípio é dissemelhante. Este proclama uma maior autonomia e responsabilidade própria da administração. A administração é responsável pela prossecução do interesse público, devendo fazer as escolhas e tomar as decisões nesse sentido, estando o juiz responsabilizado pelo controlo dessas decisões. Neste sentido, devemos salientar a irrepetibilidade das decisões administrativas, a responsabilidade pelas suas opções e a maior proximidade da administração a realidade dos factos.
Outro problema com que nos defrontamos é saber como é que o legislador atribui o poder discricionário à administração. Já diz M. Atienza: “Los conceptos jurídicos indeterminados y la discrecionalidad administrativa tienen un punto en comun”. Não há dúvida que estamos perante a concessão de poderes discricionários, quando a norma for facultativa (referir “pode”), ou quando a estatuição compreender medidas alternativas (A, “ou” B). E que acontece, quando estamos perante imprecisões de no conteúdo dos conceitos? Agora, a questão que se coloca é saber se quando o legislador utiliza conceitos indeterminados, pretende com isso atribuir poder discricionário à administração. Perante esta pergunta podemos ter várias posições:

- Posições extremas:
• Teoria da discricionariedade: sempre que o legislador utiliza conceitos indeterminados está a conceder à administração o poder de agir discricionariamente.
• Teoria do controlo total: quando a lei recorre a conceitos indeterminados, o legislador não atribui quaisquer poderes discricionários à administração

- Posições moderadas:
Teoria da folga: qualquer tribunal pode refazer a interpretação que o titular do órgão administrativo fez do conceito indeterminado, mas já não pode pronunciar-se sobre a recondução da situação concreta, porque ai a administração goza de uma margem de apreciação.
• Teoria da defensabilidade: determina que o juiz não pode afastar a solução encontrada pelo órgão ou agente administrativo como preenchendo o conceito indeterminado, se for defensável que ela ainda se enquadra no conceito legal.
• Teoria da prerrogativa de apreciação: o tribunal não pode refazer a interpretação feita pelo titular do órgão administrativo, sempre que a referida interpretação exigir uma apreciação especial dos factos

O problema dos conceitos indeterminados é a interpretação. Não é possível distinguir nitidamente entre interpretação de conceitos indeterminados e discricionariedade. Mas devemos referir que é a discricionariedade interpretativa a que melhor retrata o trabalho dos juízes, quando enfrentam situações de solução dúbia. Assim, há uma pluralidade de soluções em qualquer situação de discricionariedade. Contudo, os conceitos indeterminados só toleram, em cada caso, uma única solução, porque, de outro modo, não seriam controláveis em via judicial.
A discricionariedade pode ser então interpretativa ou estratégica. A primeira ocorre quando as disposições jurídicas estão expressas com linguagem determinada; a segunda ocorre quando as disposições jurídicas não prescrevem quais os meios conducentes a um fim que se tem que adoptar.
​            Suponhamos que queremos viajar para Santiago de Compostela. Uns teriam medo de andar de avião, pelo que iriam de comboio. Outros queriam ir mais rápido pelo que iriam de avião. Outros achariam mais económico ir de carro. Há possibilidade de justificar as opções tomadas, e é muito difícil decidir qual é a melhor. Contudo, há algo que todas têm em comum: a sua finalidade. É aqui que devemos interpretar, quando a lei o permite, a melhor solução para o caso concreto.
As posições mais antigas de Portugal eram a de afirmar que só haveria poderes discricionários, quando o legislador concedia à administração o poder de escolher o conteúdo dos seus actos, o que provinha exclusivamente de indeterminações estruturais. Haveria discricionariedade, quando a lei permitia à administração: liberdade de escolha entre várias soluções tidas como igualmente possíveis. A administração havia de escolher a que entendesse ser melhor para o interesse público, escolha essa que era livre. Quando surgissem conceitos indeterminados, estaríamos perante um questão de interpretação e, portanto, fora do problema da discricionariedade. Mas também na doutrina e jurisprudência portuguesa se admitia a existência de discricionariedade imprópria: actividade administrativa insusceptível de controlo pelos tribunais, mas a que não corresponderia uma liberdade de escolha do conteúdo da decisão entre os vários legalmente possíveis, como acontecia com a discricionariedade propriamente dita. O Prof. Freitas do Amaral refere três casos de discricionariedade imprópria: liberdade probatória; discricionariedade técnica e justiça administrativa. Esta mesma discricionariedade imprópria pode representar um perigo, já que não fornece critérios substanciais para ajuizar da densidade adequada do controlo judicial das decisões administrativas. Para o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa as situações referidas pelo Prof. Freitas do Amaral não constituem discricionariedade, pois nelas não existe liberdade de escolha.
Mas como limitar os actos administrativos discricionários? Esta mesma administração, está sujeita ao fim definido pela norma e sujeita ao direito, nomeadamente a princípios jurídicos reguladores da actividade administrativa (266/ CRP + 3/2 CPA). O princípio da prossecução do interesse público (art. 266 CRP + art. 4 CPA) é um desses princípios e, além de não dever anteceder o princípio da legalidade, vincula sempre a Administração Pública. Outro princípio é o da boa administração (art. 81/c’ CRP + art. 10 CPA), que se relaciona com o anterior e cuja relevância jurídica se tornou inquestionável. Dois princípios que não se encontram explicitamente acolhidos na CRP nem no CPA são o princípio da boa fé e da protecção da confiança dos particulares. Relativamente ao primeiro, podemos dizer que se refere à valoração da conduta administrativa de acordo com os valores ou parâmetros básicos. A violação do princípio da boa fé gera responsabilidade civil da Administração Pública perante os particulares. O segundo princípio, o da protecção da confiança, tem-se vindo a autonomizar em relação ao princípio da boa fé. Assume particular importância na proibição da retroactividade de algumas leis administrativas, dos regulamentos e dos actos administrativos em geral.
Quando a administração decide com base em poderes discricionários, ela é norteada por tais princípios jurídicos que lhe fornecem os parâmetros ou critérios da decisão que se mostram como limites da decisão administrativa discricionária. Quando o órgão que actuou não tinha legitimidade, o tribunal administrativo anulara o acto praticado. Se se demonstrar que a administração não prosseguiu, através dos poderes discricionários, o interesse público, este mesmo acto será anulado por desvio do poder subjectivo. Já no que concerne ao uso dos poderes discricionários, a questão é mais difícil de resolver. Sendo o critério de controlo mais vago, isto é, constituído pelos princípios jurídicos anteriormente referidos, só a violação ostensiva ou intolerável poderá basear a anulação jurisdicional dos actos praticados ao abrigo de poderes discricionários.
A discricionariedade consiste na liberdade conferida pela lei a um órgão administrativo, para que este escolha, dentro de uma série limitada ou ilimitada de comportamentos possíveis, aquele que lhe pareça o mais adequado à satisfação da necessidade pública. Esta mesma discricionariedade nasce a partir da separação com a legalidade e da interpretação de conceitos indeterminados. Onde há vinculação da Administração Pública pela lei, há controlo jurisdicional do respeito dessa lei, mas, onde há discricionariedade, não é possível um tal controlo. A partir da discricionariedade administrativa chegamos aos princípios da boa fé e da protecção da confiança, passando pelos princípios da prossecução do interesse público e da boa administração, ambos definidos nos termos da legalidade. É a discricionariedade que permite em poucas palavras prosseguir os melhores caminhos em casos que devido às mudanças históricas, sociais e económicas se justificam.

terça-feira, 20 de novembro de 2012


As perspetivas de mudança no sistema de governo municipal


 

O Município é considerado uma pessoa coletiva, constituída por órgãos que manifestam a vontade própria da pessoa coletiva.

Em primeiro lugar, há que verificar se os órgãos das autarquias locais são representativos. De facto são, uma vez que o órgão emana de eleição, representando assim a população local residente no território da autarquia.

Encontramos coincidências na explicação do conceito de autarquia local dos professores, Marcello Caetano, Freitas do Amaral e André Gonçalves Pereira, em que salientam os interesses comuns, o agregado populacional fixados nesses territórios, como elementos base da estrutura de uma autarquia.

É de notar a importância constitucional dada ao município em particular e às autarquias locais em geral, pelos artigos 235º e seguintes da Constituição da Republica Portuguesa. Esta consagra as autarquias locais como sendo provenientes de uma organização democrática do Estado, fazendo ainda distinção entre órgãos deliberativos que tomam as decisões de fundo e os órgãos executivos que aplicam essas orientações no quotidiano.

As autarquias locais pertencem à Administração Autónoma do Estado, tendo autonomia face ao poder central. Traduzem assim o conceito de descentralização.

Das autarquias locais fazem parte as freguesias, municípios e regiões administrativas. Interessa-nos aqui falar apenas dos municípios e do seu sistema de governo.

Para isso importa antes de mais enumerar os principais órgãos do município: Assembleia Municipal, Câmara Municipal e Presidente da Câmara.

A Assembleia Municipal é o órgão deliberativo do Município, com base no artigo 251º da CRP e do artigo 47º da Lei das Autarquias Locais. É constituída por membros eleitos e por membros por inerência (artigo 42 LAL). O seu funcionamento está disposto no artigo 49º desta mesma Lei aprovando as propostas das opções do Plano de Atividades e do Orçamento para o ano seguinte. Reúne anualmente em cinco sessões ordinárias, em fevereiro, abril, junho, setembro e novembro. As competências da Assembleia Municipal estão contidas no artigo 53ºda LAL, nomeadamente: orientação geral do Município, fiscalização da Câmara, regulamentação, função tributária e decisão superior das matérias mais importantes do Município.

A Câmara Municipal é o órgão colegial de tipo Executivo, responsável pela gestão dos negócios municipais. Este órgão é constituído por membros eleitos por sufrágio direto e universal, sendo que a sua constituição comporta: o Presidente da Câmara e Vereadores (artigo 57º LAL).

A Câmara Municipal está em sessão permanente, tendo a sua competência prevista no artigo 58º LAL. Destas distinguem-se a função preparatória e executiva, função consultiva, de gestão, de fomento, de decisão.

Por ultimo, o Presidente da Câmara parece não ser um órgão do Município pelo artigo 250º da CRP, todavia vários são os preceitos que o vêem como um órgão Municipal. O artigo 65º da LAL vem confirmar isso tendo este diversas competências. Freitas do Amaral confirma-o tal como Marcello Caetano.

O Presidente tem função presidencial, executiva e decisória, dirigindo os serviços municipais e função interlocutória.

Podemos encontrar neste sistema vários problemas e daí a prespectiva de mudança. A primeira crítica vem do Professor Freitas do Amaral que diz que o sistema de governo municipal não é, nem um sistema convencional, nem parlamentar, nem presidencialista. É um sistema que não tem bases racionais e funciona mal na prática. Contudo existiu já uma tentativa de transformação para um sistema de modelo parlamentar puro, porém fracassou.  Quer a CRP, quer a LAL, ignoram o facto do órgão executivo responder perante o órgão deliberativo. Sendo assim, para este autor a Assembleia Municipal pode destituir a Câmara Municipal. Sendo um órgão responsável por outro pode este demitir o primeiro.

Será necessário mudar o sufrágio para a Assembleia Municipal?

Será necessário alterar os poderes do Presidente da Câmara?

Porque não alterar a eleição para a Assembleia Municipal dois anos subsequentes à eleição para o presidente da Câmara? Teríamos assim uma melhor participar/intervenção dos cidadãos e uma maior legitimidade no acompanhamento e fiscalização da atividade Camarária. Ou porque não fazer uma aproximação ao sistema Francês, onde o principal órgão executivo do Município é o órgão singular e não o órgão colegial restrito, em que os eleitores elegem apenas a Assembleia Deliberativa e é dentro desta que são eleitos por maioria o Presidente da Câmara e os Vereadores.

E por ultimo ainda, porque não uma aproximação ao sistema Suíço, podendo agregar regiões administrativas em Portugal, onde cada decisão é votada pelos eleitores, chamados assim a uma maior participação.

Em suma, são muitas as perspectivas de mudança, que poderão ou não ir a avante. Será necessário consciencializar, quer os eleitores, quer a classe política para o facto, adaptando assim o sistema de governo municipal a uma nova realidade.
 
Duarte Alves

segunda-feira, 19 de novembro de 2012



Administração Local Autárquica – A Questão Da Existência de Autonomia Local

Historicamente, o afastamento do Estado central das zonas periféricas e da população local levaram à organização de um poder local para a prossecussão dos fins da comunidade organizada de pessoas em cada zona territorial. Com a evolução que se tem testemunhado em todas as áreas esse afastamento diminuiu consideravelmente, mas as necessidades específicas dessas populações mantêm-se, pelo que hoje se coloca o problema da conjugação do poder local com o poder estadual. Acontece cada vez mais agora que, em inúmeras matérias, cada um deles pode apenas florescer à custa do outro, como à frente explicarei, e procurarei analisar brevemente algumas questões que se colocam à volta deste choque.


Adoptando a terminologia do Prof. Diogo Freitas do Amaral, a administração local autárquica pode ser considerada em dois sentidos: em sentido orgánico ou subjectivo, é o conjunto das autarquias locais; em sentido material ou objectivo, é a actividade administrativa desenvolvida por essas autarquias locais.

De acordo com a definição proposta pelo Sr. Prof., as autarquias locais são pessoas colectivas públicas de população e território, correspondentes aos agregados de residentes em diversas circunscrições do território nacional, e que asseguram a prossecução dos interesses comuns resultantes da vizinhança mediante órgãos próprios, representativos dos respectivos habitantes, e estão previstas na nossa Constituição (art. 235º) .
O art. 236º da nossa Constituição prevê 3 espécies de autarquias locais: os municípios, as freguesias e as regiões administrativas.

Estas considerações permitem, portanto, concluir que as autarquias locais são pessoas colectivas distintas do Estado e que, desenvolvendo uma actividade administrativa própria, pertencem à administração autónoma.

Pode retirar-se daqui um conjunto de elementos que compõem as autarquias locais: o território, o agregado populacional, os interesses comuns, e os órgãos representativos.

O território é uma parte do território nacional denominada circunscrição administrativa, e desempenha 3 funções: em primeiro lugar, a de identificar a autarquia local, uma vez que esta se organiza com base na circunscrição administrativa; em segundo lugar, a de definir o agregado populacional; em terceiro lugar, a de delimitar as atribuições e competências da autarquia em função do local.

O agregado populacional é o elemento que compõe o substracto humano da autarquia e tem a função de definir os interesses comuns a prosseguir.

Os interesses comuns são o fundamento da existência da autarquia local, pois que a sua prossecução representa a finalidade da autarquia.

O último elemento da autarquia local é a existência de orgãos representativos. Os órgãos representativos compõem o corpo da autarquia: sem orgãos, esta não pode desenvolver a sua actividade administrativa.

É importante dar atenção a como cada um dos elementos se relaciona entre si, cada um dependendo do anterior e formando, no seu conjunto, a autarquia local. Posto isto, é possível desenhar um quadro nos seguintes termos:


Para que as autarquias locais prossigam os seus fins necessitam de ter autonomia face ao Estado. O conceito de autonomia varia conforme as ideias políticas e mesmo hoje há divergências sobre o que deve ser. A Carta Europeia de Autonomia Local, que vincula Portugal, dispõe no art. 3º que “entende-se por autonomia local o direito e a capacidade efectiva de as autarquias locais regulamentarem e gerirem, nos termos da lei, sob sua responsabilidade e no interesse das respectivas populações, uma parte importante dos assuntos públicos”.
O Prof. Diogo Freitas do Amaral é da opinião que a autonomia local pressupõe, para além desta definição, (a)o direito das autarquias participarem na definição das políticas públicas que afectem interesses próprios das respectivas populações,  (b)o direito de partilharem com o Estado as decisões sobre matéria de interesse comum e ainda (c)o direito de regulamentarem a aplicação das normas, sempre que possível, por forma a adaptá-las convenientemente às realidades locais.

A autonomia local das autarquias é um elemento essencial para que haja poder local. A existência de poder local exige que haja atribuições, competências e meios suficientes (financeiros, humanos e materiais) para que as autarquias consigam prosseguir os seus interesses sem controlo excessivo do Estado.


Analisando o seu regime, a Constituição da República Portuguesa (CRP) de 1976 estabelece alguns princípios gerais no Capítulo I do Poder Local. Nesses artigos dispõem-se alguns pontos importantes, entre os quais os seguintes:

- Que a divisão administrativa do território é feita por lei (art. 236º);

 - Que a organização bem como a regulação das competências e atribuições das
autarquias locais é feita por lei (art. 237º) – Lei nº 159/99 e Lei nº 169/99;

 - Que as autarquias locais têm património e finanças próprios, e que o regime das
finanças locais será estabelecido por lei (art. 238º) – Lei nº 2/2007;

- Que as autarquias locais têm um orgão deliberativo eleito por sufrágio directo, universal e secreto do agregado populacional, bem como um órgão executivo (art. 239º);

- Que as autarquias locais dispõem de poer regulamentar dentro dos limites da CRP, da lei e dos regulamentos emanados de um órgão superior (art. 241º);

- Que o Estado dispõe de poder de tutela de legalidade sobre as autarquias (art. 242º) – Lei nº 27/96;

E que as autarquias locais possuem quadros de pessoal próprio nos termos da lei (art. 243º)

Sobre esta matéria existe o princípio da reserva de lei da Assembleia da República, em alguns casos absoluta - art. 164º als. b), l), m), n) e r) – noutros, relativa – art. 165º als. q), r), e aa).
Estes são as principais fontes legais do regime das autarquias locais.
Mas cabe analisar quanta autonomia têm as autarquias locais face ao Estado, uma vez que a concretização de quase todas as disposições da CRP foi remetida para lei:

Em termos financeiros (Lei nº 2/2007), salientam-se alguns pontos:

- O art. 3º confere a gestão do património e das finanças próprias das autarquias nos termos do seu nº 2;

- Os arts. 10º a 12º estabelecem quais as receitas, os poderes tributários e as isenções e benefícios fiscais dos Municípios;

- Os arts. 17º e 18º estabelecem quais as receitas e quais as taxas que podem ser estabelecidas pelas Freguesias.

- O Título III desta lei regula a repartição dos recursos públicos entre o Estado e as autarquias locais.

- O artigo 37º estabelece um limite ao endividamento.

Quanto às suas atribuições e competências (Lei nº 159/99), podem inferir-se dos critérios de transferência das competências, estabelecidos nos princípios gerais, alguns limites à autonomia das autarquias, se bem que não sejam decisivos:

 - O arts. 2º, 3º e 4º estabelecem critérios de coesão social, proximidade dos cidadãos,  eficiência e eficácia de gestão tanto no âmbito das transferências realizadas como no âmbito do nível da Administração a que as transferências deverão ser exercidas, evitando a sobreposição de actuações das autarquias locais e da administração central bem como a unidade na prossecução das políticas públicas e os planos enquadradores da actividade da administração central e da administração local;

- O Capítulo II (arts. 13º a 15º) delimita largamente os domínios das atribuições dos municípios e das freguesias, prevendo ainda a possibilidade de delegação de competências daquelas, nestas.

- O Capítulo III (arts. 16º e seguintes) dedica-se às competências dos munícipios, transferindo-lhes poderes de gestão, planeamento e investimento nas mais variadas áreas.

Conclusões

Face ao disposto, é possível pintar-se já uma imagem das relações do Estado com as autarquias locais, e da posição destas face àquele. Existe de facto uma descentralização jurídica, no sentido em que a função administrativa está confiada a outras pessoas públicas colectivas para além do Estado, mas a questão deve colocar-se não do ponto de vista jurídico, mas do ponto de vista político-administrativo, uma vez que o grau de descentralização político-administrativa é em grande medida a reflexão do grau de autonomia que o poder local tem face ao Estado.

Como afirmei na introdução deste artigo, a existência do poder local tem uma finalidade. Tentando qualificar o grau de autonomia das autarquias locais, devemos questionar-nos sobre se são conferidos pela lei às autarquias os meios suficientes para a prossecução dos seus interesses por si próprias, ou seja, fazer aquilo para que foram criadas.

Creio que, vistos os pontos principais do regime as autarquias locais, pode afirmar-se que a lei impõe deveres ao Estado face às autarquias que lhes permitem ter o grau de liberdade em relação a este bem como os meios técnicos, humanos e financeiros suficientes para prosseguirem com eficácia os interesses próprios de cada aglomerado populacional.

É de notar que fortalecer o poder local por um lado equivale a enfraquecer o poder central pelo outro; desta forma, e tendo isso em conta, penso que há um grau de autonomia local suficiente e equilibrado, mas é necessário notar que ainda assim, esse grau está consagrado em lei ordinária o que, dado o nosso processo legislativo, mostra como o grau de autonomia de que as autarquias locais  beneficiam pode ser facilmente alterado e reduzido sem violar princípios constitucionais: Se a autonomia é uma questão de grau, e a CRP apenas exige que ela exista, em termos vagos e sem especificar até que ponto, como creio que o não faz, há que questionar até que ponto a CRP protege uma verdadeira autonomia local.

Isso faz da autonomia local uma realidade constantemente mutável, e a sua abstracção faz com que se torne mais díficil uma avaliação objectiva do problema que possa gerar algum consenso.

Admito já, no entanto, a possível existência de algumas falhas na minha opinião devido à não inclusão da análise do poder de tutela exercido pelo Estado sobre as nesta equação.

Tomás Tudela