sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Era uma vez a Organização Administrativa Portuguesa


“Se fosse possível a um jurista particularmente interessado pelas coisas do direito público entrar no sono da princesa da fábula, não precisaria de deixar correr os cem anos para descobrir atónito que à sua volta tudo mudou. Bastava-lhe ter esperado pelo desencanto dos últimos vinte anos e verificaria que os seus castelos de construções e os seus servidores estavam irremediavelmente submersos no silvado de uma nova realidade, (…)”
Rogério Ehrhardt Soares,
Direito Público e Sociedade Técnica,

1.ª Ed., Atlântida, Coimbra, 1969

Importa, em primeiro lugar, perceber que a realidade é mutável, altera-se de acordo com circunstâncias políticas, legislativas, sociais, económicas, entre outras.
O direito administrativo e a organização administrativa não são impunes a esta ideia de transformação.
É sabido que hoje o princípio da descentralização administrativa vem previsto na Constituição. Todavia, em Estados totalitários, como foi o caso de Portugal durante a vigência do Estado Novo, estes princípios, tal e qual como os conhecemos hoje, não eram aplicados; antes pelo contrário, devido à própria natureza do Estado Novo, o que se assistiu foi a uma concentração e centralização administrativas.
Em que consiste o princípio da descentralização? A atividade administrativa visa satisfazer um elenco de interesses públicos e a sua prossecução não está limitada somente a cargo da pessoa coletiva Estado, mas também de outras pessoas coletivas públicas.
Para existir uma verdadeira descentralização é necessário que os seguintes pressupostos estejam reunidos:
a) A existência das pessoas coletivas públicas distintas da pessoa coletiva Estado seja assegurada na Constituição
b) A pessoa coletiva pública Estado só pode intervir na atuação destas pessoas coletivas em caso de tutela de legalidade
c) Essas pessoas coletivas públicas tenham órgãos eleitos
d) Essas pessoas coletivas públicas têm de ter as suas atribuições consagradas em lei
Em Portugal, as autarquias locais são um exemplo da concretização da descentralização administrativa, pois estas reúnem todos os pressupostos acima identificados – vide art. 235.º, 237/1.º, 239/1 e 2 e 242/1 CRP.
Neste âmbito, podemos também referir que a Lei .º 159/99, de 14 de Novembro vai também no sentido de aprofundar e alargar a descentralização administrativa já existente, no sentido em que “enquadra a futura transferência de atribuições e competências para as autarquias locais e para os seus órgãos”.
O sistema administrativo português, a par da existência de uma descentralização territorial possibilita também a existência de uma descentralização não territorial. A descentralização não territorial é aquela que resulta da devolução de poderes. Aqui o Estado ou outra pessoa coletiva pública pode criar institutos públicos ou empresas públicas que tem como objetivo prosseguir as atribuições dessas pessoas públicas. Ao nível da devolução de poderes estamos perante a Administração Indireta do Estado, na medida em que prosseguem fins do Estado.
De notar que, a descentralização não territorial não é, todavia, imposta e assegurada pela Constituição, como acontece para a outra forma de descentralização territorial.
Assim, pode o Estado orientar-se nesse sentido, sendo certo que não é obrigatório que o faça.
Pergunta-se agora quais as vantagens e as desvantagens de uma descentralização administrativa?
Em primeiro lugar, cumpre dizer que quanto maior é o número de entidades a resolverem uma questão, mais democrática é a solução. Decorre desta vantagem que se o número de entidades é maior, então, os particulares têm a possibilidade de estar mais próximo dos centros de decisão e de obter uma resposta mais eficaz e célere. Finalmente, se existem vários órgãos, se há repartição do poder público por uma multiplicidade de pessoas coletivas então, há uma limitação dos poderes públicos.
Todavia, como tudo na vida, existe o “reverso da medalha”. A descentralização administrativa pode traduzir-se na desagregação da unidade do Estado, na proliferação de centros de decisão, de patrimónios autónomos, alargamento dos servidores públicos, dificuldades de controlo e riscos de ineficiência, ou seja, “atropelos à legalidade, à boa administração e aos direitos dos particulares”.
Concluindo, penso que para não estarmos perante este último cenário de desordem é necessário estabelecer alguns limites à descentralização, nomeadamente pela limitação de transferência de poderes e pelo próprio controlo do exercício de poderes, pelo que, em suma, as vantagens suplantam as desvantagens.

Catarina Pires n.º 20591

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