O DEVER DE OBEDIÊNCIA DE UM SUBALTERNO NA RELAÇÃO HIERÁRQUICA
O dever
de obediência traduz-se na obrigação de o subalterno cumprir
as ordens e instruções dos seus legítimos superiores hierárquicos, dadas em
objecto de serviço e sob a forma legal (art. 3.º, n.º 7, do Estatuto
Disciplinar).
Desta noção
resultam os seguintes requisitos: (i) que a ordem ou as instruções provenham de
legítimo superior hierárquico do subalterno; (ii) que sejam dadas em matéria de
serviço; (iii) e que revistam a forma legalmente prescrita.
Mas se a
ordem, derivando de legítimo superior do subalterno, sobre matéria de serviço e pela
forma devida, for intrinsecamente ilegal, implicando, portanto, se for acatada,
a prática pelo subalterno de um acto ilegal ou mesmo ilícito,
Quid Juris?
Para
responder a esta questão surgiram várias correntes.
A corrente
hierárquica, considera existir sempre dever de obediência, não assistindo
ao subalterno o direito de interpretar ou questionar a legalidade das
determinações do superior. Como defensor desta corrente temos o Prof. Marcello
Caetano.
Diferentemente,
a corrente legalista, defende não existe dever de obediência em
relação a ordens consideradas ilegais.
Numa
formulação restritiva desta última corrente, aquele dever
cessa apenas se a ordem implicar a prática de um acto criminoso. Numa opiniãointermédia,
o dever de obediência cessa se a ordem for patente e inequivocamente ilegal,
por ser contrária à lei ou ao espírito da lei. Consequentemente, há que
obedecer se houver mera divergência de entendimento ou interpretação quanto à
conformidade do comando. Já numa enunciação ampliativa, advoga que
não é devida a obediência à ordem ilegal, seja qual for o motivo da
ilegalidade, dada a supremacia da lei sobre a hierarquia (assim, João Tello de
Magalhães Collaço).
O Prof.
Freitas do Amaral inclina-se para a corrente legalista – dado o princípio do
Estado de Direito democrático (preâmbulo da CRP) e a submissão da Administração
Pública à lei art. 266.º, n.º 2, da CRP) –, mas numa orientação moderada.
Na lei
portuguesa, prevalece um sistema legalista mitigado, assim
resulta dos arts. 271.º, n.ºs 2 e 3, da CRP, e 10.º do Estatuto Disciplinar de
1984.
Deste sistema
decorre que em relação às ordens ou instruções emanadas do legítimo superior
hierárquico, em objecto de serviço e com a forma legal há dever de obediência (arts.
271.º, n.º 2, e 3.º, n.º 7, do Estatuto).
No entanto,
não há dever de obediência sempre que o cumprimento das ordens ou instruções
implique a prática de qualquer crime (art. 271.º, n.º 3, da CRP) ou
quando as ordens ou instruções provenham de acto nulo (art. 134.º, n.º 1, do
CPA).
Há, ainda,
dever de obediência em relação a todas as restantes ordens ou instruções.
Contudo, se forem dadas ordens ou instruções ilegais (ilegalidade que não constitua
crime nem produza nulidade), o funcionário ou agente que lhes der cumprimento
só ficará excluído da responsabilidade pelas consequências da execução da ordem
se antes da execução tiver reclamado ou tiver exigido
a transmissão ou confirmado delas por escrito, fazendo expressão dessa
menção de que considera ilegais as ordens ou instruções recebidas (art.
10.º, n.ºs 1 e 2, do Estatuto). Quando, porém, tenha sido dada uma ordem
com menção de cumprimento imediato, será suficiente para a exclusão da responsabilidade
de quem a cumprir que a reclamação, com a opinião sobre a
ilegalidade da ordem, seja enviada logo após a execução desta (art. 10.º,
n.º 4, do Estatuto).
Se o
funcionário ou agente, antes de proceder à execução, tiver reclamado ou exigido
a transmissão ou confirmação da ordem por escrito, duas hipóteses se podem
verificar, enquanto não chega a resposta do superior hierárquico (art. 10.º,
n.º 3, do Estatuto).
Numa primeira situação se a demora na execução não causar
prejuízo para o interesse público: o funcionário ou agente subalterno
pode legitimamente retardar a execução até receber a resposta
do superior, sem que por esse motivo incorra em desobediência.
Num quadro diferente, se a demora na
execução causar prejuízo para o interesse público: o subalterno deve
comunicar logo por escrito ao seu imediato superior hierárquico os termos
exactos da ordem recebida e do pedido formulado, bem como a não satisfação
deste, e logo a seguir executará a ordem, sem que por esse motivo possa ser
responsabilizado.
Visto isto, cabe ainda analisar se o dever de
obediência a uma ordem ilegal entra numa excepção ao princípio da legalidade (que impõe à
Administração Pública uma acção com fundamento na
lei e dentro dos limites por esta estabelecidos).
Na opinião do Prof. Paulo Otero não se trata de uma
excepção ao princípio da legalidade visto o cumprimento de uma ordem ilegal
resultar, neste caso, da própria lei concluindo que o que se passa é que a lei
permite uma legalidade especial
circunscrita ao âmbito da actividade administrativa.
O Prof. Freitas
do Amaral, por sua vez, considera que o dever de obediência é uma excepção ao princípio
da legalidade, mas é uma excepção que é legitimada pela própria Constituição,
no seu art. 271.º, n.º 3. Isso não significa, porém, que haja uma
especial legalidade interna: uma ordem ilegal, mesmo quando tenha de ser
acatada, é sempre uma ordem ilegal – que responsabiliza o seu autor e,
eventualmente, a própria Administração. Não parece de admitir, num Estado de
Direito, a figura de uma “zona de legalidade especial constituída por
todas as ordens ilegais dadas pelos superiores hierárquicos a que seja devida
obediência”. Sendo preferível admitir que, por razões de eficiência
administrativa, a Constituição entende dever abrir uma ou outra excepção ao
princípio da legalidade, a aceitar que a generalidade das ordens ilegais e dos
seus actos de execução façam parte integrante do bloco de actos legais
praticados pela Administração.
Aqui fica um esquema meu sobre esta matéria que talvez possa ajudar no vosso estudo.
Mª Rita Anunciação
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