Admissão da Declaração de Utilidade Pública de Entidades Públicas sob Forma Privada - o exemplo da Fundação Gulbenkian
De uma forma muito geral e introdutória, as pessoas colectivas de utilidade pública inserem-se na administração indirecta sob forma privada, isto é, fazem parte das entidade privadas que prosseguem fins públicos; tal pode-se suceder quando seja mais vantajoso ao Estado prosseguir os seus interesses através de uma entidade privada: seja porque lhe é mais eficiente, seja porque não detém os meios necessários ou porque a proximidade com a causa em questão não é de todo satisfatória.
Assim, podemos admitir que se regem por um misto de direito administrativo e por um misto de direito privado.
As pessoas colectivas de utilidade pública são, assim, as pessoas de direito privado que desenvolvem actividades de utilidade pública, e que não têm fim lucrativo (tomando como exemplo as associações e as fundações) - art.1º DL 460/77. Está-lhes patente a necessidade de cooperar com a Administração Pública (art. 157 CC), e a graduação de intervenção da Administração Pública é feita consoante a medida em que os fins da Administração são prosseguidos, ou seja, será mínimo para as entidades de mera utilidade pública (como colectividades, associações científicas, etc.), intermédia para as instituições particulares de solidariedade social, e máxima para pessoas colectivas para pessoas públicas de utilidade pública administrativa (como no exemplo dado pelo prof. Freitas do Amaral, as Associações de Bombeiros Voluntários).
Como regime jurídico destas entidades, encontramos o DL 460/77, de 7 de Novembro, articulado com os próprios estatutos da associação/ fundação em si.
Como características gerais do regime jurídico do DL 460/77, temos o seguinte:
- A "não limitação do seu quadro de associados ou de beneficiários a estrangeiros", ou outro tipo de discriminação que vá contra o art.13ª/2 da CRP (articulado com o art. 2º do mesmo decreto);
- Os actos prosseguidos de acordo com a sua utilidade pública (artº2/1, b);
- Necessidade de um registo especial do Ministério da Justiça (art.8º);
- Isenções fiscais e tributárias (art. 9º), assim como de taxas de TV e de rádio, e sobre espectáculos públicos (art. 10º/a) e c));
- Tarifas reduzidas no consumo de energia e de água (art. 10º/b), c) e d));
- E o envio das contas do seu exercício à presidência do Conselho.
Há ainda que afirmar que aquelas que prossigam fins de beneficiência, fins humanitários, de assistência ou de educação podem receber a declaração de utilidade pública logo no momento da sua instituição, estando tal patente no art. 416º do Código Administrativo. Os restantes, que prossigam outros fins, só podem ser declarados de utilidade pública após 5 anos de "relevante funcionamento".
Assim, passemos ao exemplo da Fundação Gulbenkian.
Esta foi fundada por Calouste Gulbenkian, por testamento, e reconhecida como tal em 1956, através do decreto-lei 40690, 18 de Julho. Logo no seu preâmbulo, retiramos o seguinte excerto: "Embora a Fundação tenha a nacionalidade portuguesa e sede em Lisboa, a sua acção exercer-se-á, não só em Portugal, mas também em qualquer outro país onde se mostre aconselhável ou conveniente", onde se pode estabelecer uma nítida relação com o art. 2º do DL 460/77 e com o art. 13º da CRP.
Tem por âmbito fins caritativos, artísticos, educativos e científicos (art. 2º do DL 40690); no seu art. 6º, estipula que a "Fundação é isenta de contribuição predial quanto aos imóveis destinados à sua instalação ou à directa realização dos seus fins, beneficiando também das isenções dos demais impostos de que aproveitam as instituições congéneres", estando tal articulado com o art. 9º e 10º do DL 460/77, quanto a isenções fiscais nas leis tributárias e nas tarifas reduzidas sobre o consumo.
Quanto ao seu reconhecimento como Fundação que prossegue fins públicos, tal foi-lhe reconhecido no momento da sua criação (estipulado no art. 8º), não sendo necessário o prazo de 5 anos para demonstrar o seu relevante funcionamento, de acordo com o art. 416º do Código Administrativo.
Assim, de uma forma sucinta, podemos admitir que as pessoas colectivas de utilidade pública, onde se insere a Fundação Gulbenkian, prosseguem o interesse público do Estado, não de uma forma directa, mas indirectamente, daí que se afirme que estamos perante a administração indirecta sob forma privada, não detendo portanto fins lucrativos e necessitando de uma declaração de utilidade pública concedida pelo Governo no exercício das suas funções administrativas, nos termos no art. 199º/ d), e) e g), sendo que estas entidades terão, necessariamente de cooperar com a Administração Pública, de acordo com o art. 157º do Código Civil.
Link do Decreto-lei 40690, 28 de Julho de 1956:
http://www.gulbenkian.pt/media/files/fundacao/historia_e_missao/PDF/DECRETO_LEI.pdf
Patrícia Felício Silva
nº 21940
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