1- As Universidades e a Personalidade Colectiva:
As Universidades foram e são pessoas colectivas. No exercício da autonomia estatuária, isto é, em sede da elaboração e aprovação dos estatutos a submeter à homologação governamental, as Universidades podem definir o seu próprio modelo de funcionamento.
Segundo o art.3º, nº1, da LAU, relativamente à natureza jurídica das Universidades, diz-se, que «são pessoas colectivas de direito público que gozam de autonomia estatuária, científica, pedagógica, administrativa, financeira e disciplinar». Esta caracterização não esclarece em que categoria das pessoas colectivas recortadas pela doutrina, se inserem as Universidades, nem em que tipo de Administração do Estado (directa, indirecta ou autónoma).
Marcello Caetano foi quem primeiro estudou as pessoas colectivas públicas, o qual começou por destrinçar as pessoas colectivas em:
- pessoas colectivas de administração e território: autarquias locais, as então denominadas províncias ultramarinas, etc;
- pessoas colectivas de natureza corporacional ou associativa: organismos corporativos (sindicatos, grémios, corporações) e as cooperativas de interesse público em que predominava o elemento pessoal;
- pessoas colectivas de natureza institucional: organismos de coordenação económica em que o elemento predominante era o patrimonial.
Dentro destas últimas, Marcello Caetano, juntamente com Freitas do Amaral (apenas por algum tempo), distinguiam:
- serviços públicos personalizados, aos quais se atribuía personalidade jurídica, por se achar que certo fim do Estado melhor seria prosseguido através de uma entidade «ad hoc» por ele criada;
- empresas públicas;
- fundos públicos.
Ambos os autores encararam as Universidades como serviços públicos personalizados, apesar de, no caso do Prof. Freitas do Amaral, apenas até 1986. Eram concebidas, pelos mesmos autores, como fazendo parte da administração indirecta do Estado.
Como referi, o Prof. Freitas do Amaral, até 1986, considerava as Universidades como serviços públicos personalizados. A partir dessa data, autonomiza dentro do género Instituto Público, uma nova espécie, que denominou de estabelecimento público, caracterizando-se por: dispôr de serviços abertos ao público e por efectuar prestações, sociais ou culturais, à generalidade das pessoas que delas necessitassem. Portanto, para este autor, as Universidades passariam a integrar a administração indirecta como estabelecimentos públicos, isto é, como «pessoas colectivas públicas de tipo institucional, criadas para assegurar o desempenho de determinadas funções administrativas de carácter não empresarial, pertencentes ao Estado ou a outra pessoa colectiva», e já não como serviços públicos personalizados do Estado, que mais não seriam que verdadeiras direcções gerais às quais a lei atribui personalidade jurídica.
2- As Universidades e a Administração do Estado:
Na mesma altura, o Prof. Freitas do Amaral, passou a localizar as associações públicas na esfera da administração autónoma, deixando de as integrar ao lado dos institutos públicos, na administração indirecta. Como já referi, para este autor, as universidades são institutos públicos da espécie estabelecimento público, e mais, são institutos públicos de natureza corporativa ou associativa, integradas na administração indirecta do Estado e não na administração autónoma do mesmo.
Próximo desta posição, encontra-se Mário Esteves de Oliveira, que partindo da distinção das pessoas colectivas de direito público de tipo associativo ou institucional, aceita que não se trata de contraposição rígida visto «poderem surpreender-se entes públicos mistos que participam de caracteres de ambos os tipos: é o caso das fundações em que os beneficiários contribuem para o seu património ou um particular na sua administração (talvez as Universidades)» - tese das universidades como entes públicos mistos.
Diferentemente, o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, critica as anteriores posições, por terem sido construídas com base na elaboração de classificações de pessoas colectivas justapondo categorias avulsamente criadas por lei e misturando critérios classificativos em que, por vezes, é patente a heterogeneidade dos mesmos. Defende uma metodologia consistente, em que propõe que se distingam os critérios:
- do elemento determinante - que, para a generalidade das Universidades, é o elemento pessoal, e não p patrimonial, fundacional ou institucional;
- do fim prosseguido - que, para as universidades é específico, sem objectivo lucrativo e envolve a satisfação de uma necessidade colectiva, de forma individualizada, ao contrário do que sucede com as autarquias, por exemplo, que prosseguem fins genéricos.
- da estrutura interna- circunstância de a pessoa colectiva ser integrada por outras ou não (pessoas colectivas complexas ou federativas/pessoas colectivas simples ou unitárias);
- da delimitação espacial de poderes;
- do relacionamento entre os fins prosseguidos e os do Estado-Administração, à luz do qual se estabelece uma linha divisória entre: 1- pessoas colectivas com fins consagrando, exclusiva ou dominantemente, interesses próprios, diversos dos do Estado-Administração, ou fins que exijam para a sua realização, autonomia do Estado-Administração; 2- pessoas colectivas que são mero desdobramento do Estado-Administração. - as primeiras são autónomas, apenas podendo ser sujeitas ao poder de tutela (art. 199º al.d) CRP), e as segundas, segundo o mesmo preceito constitucional, podem estar sujeitas ao poder de direcção ou ao poder de superintendência, conforme a intensidade do grau de subordinação face ao Estado-Administração.
Atendendo a este último critério, tem-se por manifesto que as universidades integram a administração autónoma, por não se configurarem como «pessoas colectivas que são mero desdobramento do Estado-Administração». Prosseguem fins, próprios e não próprios, que, embora não se sobreponham aos do Estado-Administração, comportam, quando próprios, uma especificidade axiológica cuja prossecução requer autonomia face ao Estado-Administração.
Importa não esquecer, que é o próprio legislador, que no art. 28º da LAU, consagra a submissão das universidades ao poder tutelar do Governo. As universidades fazem, assim, parte da administração autónoma, uma vez que, a actividade formativa que lhes incube só pode ser levada a cabo com plena autonomia face ao Estado-Administração.
3- Autonomia Constitucional na Legislação Ordinária
Muito pouco ou mesmo nenhum, tem sido o impacto provocado pela constitucionalização da autonomia universitária, devido às universidades continuarem a ser olhadas, em matéria financeira, como um qualquer fundo ou serviço autónomo e, em matéria administrativa, entendida na óptica de assuntos de administração pública geral, como mero instituto público.
A falta de desenvolvimento legislativo da lei da autonomia das universidades, desenvolvimento esse que ela própria previa, conjugada com a sujeição das universidades ao regime jurídico-financeiro dos «fundos e serviços autónomos», conduziu a uma situação de bloqueamento da gestão financeira das universidades, que, por força das especificidades que lhes são reconhecidas pela Constituição e pela LAU, carecem de soluções próprias que, sem pôr em causa a política orçamental, permitam àquelas instituições a prossecução plena dos fins que constitucional e legalmente lhe estão atribuídos.
É inadmissível que as Universidades sejam, quanto a matéria administrativa, objecto de tratamento semelhante do conferido aos demais institutos públicos, porque, enquanto institutos públicos cuja autonomia está constitucionalmente consagrada, as Universidades requerem tratamento idêntico daquele que o ordenamento jurídico vigente dispensa aos restantes institutos públicos com autonomia constitucionalizada, e não, como ainda sucede, o mesmo tratamento que é dado aos institutos públicos cuja autonomia é unicamente outorgada pela lei ordinária.
É inquestionável que as universidades são organismos da administração central, ainda que, de natureza descentralizada. Assim sendo, ponderando, conforme se revela mais de harmonia com a interpretação do direito vigente, a competência deferida aos reitores pelo art.20º nº1 al. e) da LAU, não justifica a não investidura dos reitores na competência de que, «in casu», usufruem os presidentes das camâras municipais.
Mariana Serra, nº22024
As Universidades foram e são pessoas colectivas. No exercício da autonomia estatuária, isto é, em sede da elaboração e aprovação dos estatutos a submeter à homologação governamental, as Universidades podem definir o seu próprio modelo de funcionamento.
Segundo o art.3º, nº1, da LAU, relativamente à natureza jurídica das Universidades, diz-se, que «são pessoas colectivas de direito público que gozam de autonomia estatuária, científica, pedagógica, administrativa, financeira e disciplinar». Esta caracterização não esclarece em que categoria das pessoas colectivas recortadas pela doutrina, se inserem as Universidades, nem em que tipo de Administração do Estado (directa, indirecta ou autónoma).
Marcello Caetano foi quem primeiro estudou as pessoas colectivas públicas, o qual começou por destrinçar as pessoas colectivas em:
- pessoas colectivas de administração e território: autarquias locais, as então denominadas províncias ultramarinas, etc;
- pessoas colectivas de natureza corporacional ou associativa: organismos corporativos (sindicatos, grémios, corporações) e as cooperativas de interesse público em que predominava o elemento pessoal;
- pessoas colectivas de natureza institucional: organismos de coordenação económica em que o elemento predominante era o patrimonial.
Dentro destas últimas, Marcello Caetano, juntamente com Freitas do Amaral (apenas por algum tempo), distinguiam:
- serviços públicos personalizados, aos quais se atribuía personalidade jurídica, por se achar que certo fim do Estado melhor seria prosseguido através de uma entidade «ad hoc» por ele criada;
- empresas públicas;
- fundos públicos.
Ambos os autores encararam as Universidades como serviços públicos personalizados, apesar de, no caso do Prof. Freitas do Amaral, apenas até 1986. Eram concebidas, pelos mesmos autores, como fazendo parte da administração indirecta do Estado.
Como referi, o Prof. Freitas do Amaral, até 1986, considerava as Universidades como serviços públicos personalizados. A partir dessa data, autonomiza dentro do género Instituto Público, uma nova espécie, que denominou de estabelecimento público, caracterizando-se por: dispôr de serviços abertos ao público e por efectuar prestações, sociais ou culturais, à generalidade das pessoas que delas necessitassem. Portanto, para este autor, as Universidades passariam a integrar a administração indirecta como estabelecimentos públicos, isto é, como «pessoas colectivas públicas de tipo institucional, criadas para assegurar o desempenho de determinadas funções administrativas de carácter não empresarial, pertencentes ao Estado ou a outra pessoa colectiva», e já não como serviços públicos personalizados do Estado, que mais não seriam que verdadeiras direcções gerais às quais a lei atribui personalidade jurídica.
2- As Universidades e a Administração do Estado:
Na mesma altura, o Prof. Freitas do Amaral, passou a localizar as associações públicas na esfera da administração autónoma, deixando de as integrar ao lado dos institutos públicos, na administração indirecta. Como já referi, para este autor, as universidades são institutos públicos da espécie estabelecimento público, e mais, são institutos públicos de natureza corporativa ou associativa, integradas na administração indirecta do Estado e não na administração autónoma do mesmo.
Próximo desta posição, encontra-se Mário Esteves de Oliveira, que partindo da distinção das pessoas colectivas de direito público de tipo associativo ou institucional, aceita que não se trata de contraposição rígida visto «poderem surpreender-se entes públicos mistos que participam de caracteres de ambos os tipos: é o caso das fundações em que os beneficiários contribuem para o seu património ou um particular na sua administração (talvez as Universidades)» - tese das universidades como entes públicos mistos.
Diferentemente, o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, critica as anteriores posições, por terem sido construídas com base na elaboração de classificações de pessoas colectivas justapondo categorias avulsamente criadas por lei e misturando critérios classificativos em que, por vezes, é patente a heterogeneidade dos mesmos. Defende uma metodologia consistente, em que propõe que se distingam os critérios:
- do elemento determinante - que, para a generalidade das Universidades, é o elemento pessoal, e não p patrimonial, fundacional ou institucional;
- do fim prosseguido - que, para as universidades é específico, sem objectivo lucrativo e envolve a satisfação de uma necessidade colectiva, de forma individualizada, ao contrário do que sucede com as autarquias, por exemplo, que prosseguem fins genéricos.
- da estrutura interna- circunstância de a pessoa colectiva ser integrada por outras ou não (pessoas colectivas complexas ou federativas/pessoas colectivas simples ou unitárias);
- da delimitação espacial de poderes;
- do relacionamento entre os fins prosseguidos e os do Estado-Administração, à luz do qual se estabelece uma linha divisória entre: 1- pessoas colectivas com fins consagrando, exclusiva ou dominantemente, interesses próprios, diversos dos do Estado-Administração, ou fins que exijam para a sua realização, autonomia do Estado-Administração; 2- pessoas colectivas que são mero desdobramento do Estado-Administração. - as primeiras são autónomas, apenas podendo ser sujeitas ao poder de tutela (art. 199º al.d) CRP), e as segundas, segundo o mesmo preceito constitucional, podem estar sujeitas ao poder de direcção ou ao poder de superintendência, conforme a intensidade do grau de subordinação face ao Estado-Administração.
Atendendo a este último critério, tem-se por manifesto que as universidades integram a administração autónoma, por não se configurarem como «pessoas colectivas que são mero desdobramento do Estado-Administração». Prosseguem fins, próprios e não próprios, que, embora não se sobreponham aos do Estado-Administração, comportam, quando próprios, uma especificidade axiológica cuja prossecução requer autonomia face ao Estado-Administração.
Importa não esquecer, que é o próprio legislador, que no art. 28º da LAU, consagra a submissão das universidades ao poder tutelar do Governo. As universidades fazem, assim, parte da administração autónoma, uma vez que, a actividade formativa que lhes incube só pode ser levada a cabo com plena autonomia face ao Estado-Administração.
3- Autonomia Constitucional na Legislação Ordinária
Muito pouco ou mesmo nenhum, tem sido o impacto provocado pela constitucionalização da autonomia universitária, devido às universidades continuarem a ser olhadas, em matéria financeira, como um qualquer fundo ou serviço autónomo e, em matéria administrativa, entendida na óptica de assuntos de administração pública geral, como mero instituto público.
A falta de desenvolvimento legislativo da lei da autonomia das universidades, desenvolvimento esse que ela própria previa, conjugada com a sujeição das universidades ao regime jurídico-financeiro dos «fundos e serviços autónomos», conduziu a uma situação de bloqueamento da gestão financeira das universidades, que, por força das especificidades que lhes são reconhecidas pela Constituição e pela LAU, carecem de soluções próprias que, sem pôr em causa a política orçamental, permitam àquelas instituições a prossecução plena dos fins que constitucional e legalmente lhe estão atribuídos.
É inadmissível que as Universidades sejam, quanto a matéria administrativa, objecto de tratamento semelhante do conferido aos demais institutos públicos, porque, enquanto institutos públicos cuja autonomia está constitucionalmente consagrada, as Universidades requerem tratamento idêntico daquele que o ordenamento jurídico vigente dispensa aos restantes institutos públicos com autonomia constitucionalizada, e não, como ainda sucede, o mesmo tratamento que é dado aos institutos públicos cuja autonomia é unicamente outorgada pela lei ordinária.
É inquestionável que as universidades são organismos da administração central, ainda que, de natureza descentralizada. Assim sendo, ponderando, conforme se revela mais de harmonia com a interpretação do direito vigente, a competência deferida aos reitores pelo art.20º nº1 al. e) da LAU, não justifica a não investidura dos reitores na competência de que, «in casu», usufruem os presidentes das camâras municipais.
Mariana Serra, nº22024
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