O principio da descentralização
O principio da descentralização surge com a Constituição de 1976, no art.267º/2, e só a partir daqui se pode falar numa estruturação descentralizada da administração publica. Até ao século XIX a tendência foi a de centralizar e são prova disso as Ordenações do Reino, nomeadamente, as Ordenações Afonsinas e, principalmente, as Ordenações Manuelinas. Só em meados do século XIX, por influencia dos ideais da Revolução francesa, começam a surgir reformas no sentido de descentralizar a administração do Reino, momento da reforma administrativa de Mouzinho da Silveira, no entanto, estas reformas eram frágeis e não lograram a longo prazo. Posteriormente, já na primeira metade do século XX e agora num Portugal republicano, é constitucionalizado um novo regime, o Estado Novo. No decorrer do Estado Novo regista se uma forte centralização e concentração administrativa, ficando o poder local altamente dependente do Estado e, pelo menos materialmente, com poderes muito reduzidos. Em 1974 da se a revolução de 25 de Abril que derruba o antigo regime, é implementada a actual constituição, em 1976, e com esta surgem os princípios da descentralização e da desconcentração administrativa.
Apesar do tema aqui abordado ser o do principio da descentralização, cabe fazer uma breve distinção entre este e o principio da desconcentração. O primeiro consiste na atribuição de funções administrativas a pessoas colectivas além do Estado. O segundo pressupõe a repartição de competências de uma pessoa colectiva por diversos órgãos. Estes princípios não são obrigatoriamente coexistentes, podendo haver descentralização e concentração ou desconcentração e centralização em simultâneo.
Ambos os princípios supra-mencionados estão consagrados no art.267º/2 da CRP com o intuito de apontar o caminho ao legislador quanto à estruturação da administração publica, como resultado pode ser observada a Lei nº159/99, de 14 de Setembro, que regula a futura transferência de atribuições e competências para as autarquias locais e para os seus órgãos. As autarquias locais têm mesmo a sua existência e autonomia garantidas pela constituição nos artigos 235º e 288º n) e a par das autarquias locais, as regiões autónomas( arts.255º e 288º o)), as universidades publicas(art.76º/2) e as associações publicas(art.267º/1 e /4). Existem outras pessoas colectivas correspondentes a formas de descentralização para além destas, contudo as que integram a administração directa e indirecta do Estado têm a sua existência dependente do legislador, uma vez que podem por este ser livremente criadas ou extintas.
O principio da descentralização não deve ser olhado de uma perspectiva meramente formal, não basta a criação de pessoas colectivas diversas do Estado que exerçam funções administrativas para se poder dizer que é respeitado o principio da descentralização. Essa descentralização tem de ser material, as pessoas colectivas a que correspondentes a formas de descentralização devem ser investidos, pelo legislador, de atribuições e competências que permitam a aproximação das populações locais da administração. Esse é, afinal, um dos principais fins do principio da descentralização.
A descentralização enquanto fenómeno pode assumir diversas configurações, cabendo distinguir as suas formas e os seus graus.
Quanto às formas a descentralização pode ser territorial - pessoas colectivas de base territorial, como as regiões autónomas e as autarquias locais, institucional (que dá origem a institutos públicos e empresas publicas) e associativa (que cria pessoas colectivas de carácter associativo, como as associações publicas e as universidades publicas). O prof. Diogo Freitas do Amaral considera que a descentralização em sentido estrito é a descentralização territorial, e que as restantes tomam a designação de devolução de poderes. Já o prof. Marcelo Rebelo de Sousa opta pela divisão acima feita, acrescentando lhe a descentralização não territorial, onde integra as pessoas colectivas de interesse publico.
Quanto aos graus, e aqui optando pela exposição do prof. Marcelo Rebelo de Sousa, a descentralização pode ser de primeiro ou de segundo grau. Será de primeiro grau quando resultar directamente da Constituição ou da lei; e de segundo grau quando resulte de um acto administrativo. Um exemplo de descentralização de segundo grau é a criação pelos municípios, de empresas publicas municipais, como é o caso da EMEL e da EPUL em Lisboa.
A descentralização tem, obviamente, limites. Não seria possível descentralizar a administração ao ponto de tornar o Estado um mero símbolo de poder enquanto que o poder efectivo residia, por exemplo, nas autarquias locais devendo estas apenas “vassalagem” ao poder central. Essa descentralização ilimitada levaria a inúmeras ineficiências administrativas bem como prováveis desrespeito pela legalidade e poderia até levar à desconstrução do Estado como o conhecemos. Daí que a própria CRP estabeleça limites ao principio da descentralização, como por exemplo art.267º/2 no qual é estabelecido o limite da “(...)eficácia e unidade de acção da Administração dos poderes de direcção, superintendência e tutela dos órgãos competentes”. Além disto, são estabelecidas várias reservas de lei na CRP a propósito da descentralização, como por exemplo no art.236º/4 e o art.237º/1.
A descentralização oferece várias vantagens e algumas desvantagens, cabe agora inúmera-las. Do lado das vantagens pode apontar-se a sua maior democraticidade do que num sistema centralizado; a aproximação da administração publica das populações locais que possibilita uma maior eficiência na resolução de problemas concretos e um melhor aproveitamento dos recursos locais; a descentralização é uma forma de limitação do poder central – atribuindo poderes a pessoas colectivas diversas do Estado, principalmente na descentralização de primeiro grau, evita-se um Estado “todo-poderoso” e os abusos de poder; uma maior especialização administrativa; e, por ultimo, um sistema descentralizado tem tendência a ser mais vantajoso em termos de custos/eficiência, comparativamente com um sistema centralizado.
Do lado das desvantagens, pode apontar-se a multiplicação de centros de decisão, de autonomias patrimoniais e financeiras, e de trabalhadores do Estado. Estes factores podem conduzir a alguma descoordenação da administração publica. Outro inconveniente da descentralização é a possibilidade de mau uso dos poderes da Administração por pessoas que não têm, obrigatoriamente, de estar preparadas para desempenhar as funções que desempenham. Isto acontece com alguma regularidade em cargos em que a sua titularidade é designada por eleição, como os autarcas locais. E este parece-me ser o maior inconveniente da descentralização administrativa, são inúmeros os casos de má gestão( e mesmo de corrupção) em autarquias locais por pessoas que não têm algum tipo de competência para os cargos que desempenham mas que acabam por se perpetuar no poder por razões de popularidade politica e social. A solução para este problema poderia passar pela criação, através da via legislativa, de mecanismos de controlo destes orgãos de poder local. No entanto, esta acaba por ser uma questão de difícil resolução pratica, por razões de ordem politica e social que não cabem aqui desenvolver e por qualquer solução estar sempre limitada pelo principio da descentralização administrativa e pela autonomia do poder local.
António Branco Cardoso
nº20494
Boa materia! Gostei
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