quinta-feira, 22 de novembro de 2012

A Discricionariedade Administrativa


A Discricionariedade Administrativa 
A Administração Publica não dispõe de liberdade constitutiva para escolher os fins que prossegue. Quem define esses fins é o legislador, que é também responsável pela selecção dos órgãos competentes para os prosseguir: daí que tudo o que diz respeito aos fins e competências seja matéria em que a administração está vinculada à lei. Muitas vezes também a lei impõe os meios que a administração há-de usar para atingir o fim público previsto na norma (actos vinculados). Mas há outros casos em que a lei se limita a definir o fim e os órgãos competentes para prosseguir. Neste ultimo caso podemos dizer que há uma margem de livre decisão, ou, discricionariedade.
​            Na época de Estado de Direito Liberal, a discricionariedade correspondia a toda a actividade administrativa que não interferisse com matérias jurídicas. Primeiramente, a administração gozava de um poder discricionário na medida em que estávamos perante matérias que não disputavam com a lei. O princípio da legalidade colocou a lei como acto normativo supremo e irresistível. Hoje, a discricionariedade tem de ser entendida como uma concessão legislativa à administração. É um poder próprio na decisão de casos concretos. Em suma, podemos referir que a discricionariedade é a escolha entre várias alternativas de actuação juridicamente admissíveis. Assim, na acção, a administração pública pode agir ou não; pode ter várias escolhas; pode actuar de maneira criativa no sentido de ter alternativas distintas; e pode agir por vários elementos técnicos extra-jurídicos. A discricionariedade só é compatível com o princípio da legalidade, isto é, a discricionariedade descobre na lei um limite/fundamento para sua actuação.
​            O poder discricionário assumia um carácter não jurídico. Mas hoje não podemos fazer a distinção dessa maneira. O direito não é mera legalidade, sendo também constituído por princípios jurídicos fundamentais, pela Constituição, pelo Direito internacional, por princípios gerais de direito administrativo, por regulamentos administrativos e pelos próprios actos administrativos. Assim, o poder discricionário tem que ser hoje concebido como um poder jurídico, em que se exige à administração uma “tensão criadora do Direito do caso concreto” – Prof. Rogério Soares.
​            A maior ou menor extensão do poder discricionário relaciona-se com dois princípios: o princípio do Estado de Direito e o princípio da separação dos poderes. Relativamente ao primeiro, podemos dizer que procura defender os interesses dos cidadãos. Todavia, tendo um pensamento antigo da administração agressiva, e inimiga dos cidadãos, procura-se que haja uma maior vinculação da administração à lei. Assim, tem de haver um maior controlo da actividade administrativa pelos tribunais. Já o segundo princípio é dissemelhante. Este proclama uma maior autonomia e responsabilidade própria da administração. A administração é responsável pela prossecução do interesse público, devendo fazer as escolhas e tomar as decisões nesse sentido, estando o juiz responsabilizado pelo controlo dessas decisões. Neste sentido, devemos salientar a irrepetibilidade das decisões administrativas, a responsabilidade pelas suas opções e a maior proximidade da administração a realidade dos factos.
Outro problema com que nos defrontamos é saber como é que o legislador atribui o poder discricionário à administração. Já diz M. Atienza: “Los conceptos jurídicos indeterminados y la discrecionalidad administrativa tienen un punto en comun”. Não há dúvida que estamos perante a concessão de poderes discricionários, quando a norma for facultativa (referir “pode”), ou quando a estatuição compreender medidas alternativas (A, “ou” B). E que acontece, quando estamos perante imprecisões de no conteúdo dos conceitos? Agora, a questão que se coloca é saber se quando o legislador utiliza conceitos indeterminados, pretende com isso atribuir poder discricionário à administração. Perante esta pergunta podemos ter várias posições:

- Posições extremas:
• Teoria da discricionariedade: sempre que o legislador utiliza conceitos indeterminados está a conceder à administração o poder de agir discricionariamente.
• Teoria do controlo total: quando a lei recorre a conceitos indeterminados, o legislador não atribui quaisquer poderes discricionários à administração

- Posições moderadas:
Teoria da folga: qualquer tribunal pode refazer a interpretação que o titular do órgão administrativo fez do conceito indeterminado, mas já não pode pronunciar-se sobre a recondução da situação concreta, porque ai a administração goza de uma margem de apreciação.
• Teoria da defensabilidade: determina que o juiz não pode afastar a solução encontrada pelo órgão ou agente administrativo como preenchendo o conceito indeterminado, se for defensável que ela ainda se enquadra no conceito legal.
• Teoria da prerrogativa de apreciação: o tribunal não pode refazer a interpretação feita pelo titular do órgão administrativo, sempre que a referida interpretação exigir uma apreciação especial dos factos

O problema dos conceitos indeterminados é a interpretação. Não é possível distinguir nitidamente entre interpretação de conceitos indeterminados e discricionariedade. Mas devemos referir que é a discricionariedade interpretativa a que melhor retrata o trabalho dos juízes, quando enfrentam situações de solução dúbia. Assim, há uma pluralidade de soluções em qualquer situação de discricionariedade. Contudo, os conceitos indeterminados só toleram, em cada caso, uma única solução, porque, de outro modo, não seriam controláveis em via judicial.
A discricionariedade pode ser então interpretativa ou estratégica. A primeira ocorre quando as disposições jurídicas estão expressas com linguagem determinada; a segunda ocorre quando as disposições jurídicas não prescrevem quais os meios conducentes a um fim que se tem que adoptar.
​            Suponhamos que queremos viajar para Santiago de Compostela. Uns teriam medo de andar de avião, pelo que iriam de comboio. Outros queriam ir mais rápido pelo que iriam de avião. Outros achariam mais económico ir de carro. Há possibilidade de justificar as opções tomadas, e é muito difícil decidir qual é a melhor. Contudo, há algo que todas têm em comum: a sua finalidade. É aqui que devemos interpretar, quando a lei o permite, a melhor solução para o caso concreto.
As posições mais antigas de Portugal eram a de afirmar que só haveria poderes discricionários, quando o legislador concedia à administração o poder de escolher o conteúdo dos seus actos, o que provinha exclusivamente de indeterminações estruturais. Haveria discricionariedade, quando a lei permitia à administração: liberdade de escolha entre várias soluções tidas como igualmente possíveis. A administração havia de escolher a que entendesse ser melhor para o interesse público, escolha essa que era livre. Quando surgissem conceitos indeterminados, estaríamos perante um questão de interpretação e, portanto, fora do problema da discricionariedade. Mas também na doutrina e jurisprudência portuguesa se admitia a existência de discricionariedade imprópria: actividade administrativa insusceptível de controlo pelos tribunais, mas a que não corresponderia uma liberdade de escolha do conteúdo da decisão entre os vários legalmente possíveis, como acontecia com a discricionariedade propriamente dita. O Prof. Freitas do Amaral refere três casos de discricionariedade imprópria: liberdade probatória; discricionariedade técnica e justiça administrativa. Esta mesma discricionariedade imprópria pode representar um perigo, já que não fornece critérios substanciais para ajuizar da densidade adequada do controlo judicial das decisões administrativas. Para o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa as situações referidas pelo Prof. Freitas do Amaral não constituem discricionariedade, pois nelas não existe liberdade de escolha.
Mas como limitar os actos administrativos discricionários? Esta mesma administração, está sujeita ao fim definido pela norma e sujeita ao direito, nomeadamente a princípios jurídicos reguladores da actividade administrativa (266/ CRP + 3/2 CPA). O princípio da prossecução do interesse público (art. 266 CRP + art. 4 CPA) é um desses princípios e, além de não dever anteceder o princípio da legalidade, vincula sempre a Administração Pública. Outro princípio é o da boa administração (art. 81/c’ CRP + art. 10 CPA), que se relaciona com o anterior e cuja relevância jurídica se tornou inquestionável. Dois princípios que não se encontram explicitamente acolhidos na CRP nem no CPA são o princípio da boa fé e da protecção da confiança dos particulares. Relativamente ao primeiro, podemos dizer que se refere à valoração da conduta administrativa de acordo com os valores ou parâmetros básicos. A violação do princípio da boa fé gera responsabilidade civil da Administração Pública perante os particulares. O segundo princípio, o da protecção da confiança, tem-se vindo a autonomizar em relação ao princípio da boa fé. Assume particular importância na proibição da retroactividade de algumas leis administrativas, dos regulamentos e dos actos administrativos em geral.
Quando a administração decide com base em poderes discricionários, ela é norteada por tais princípios jurídicos que lhe fornecem os parâmetros ou critérios da decisão que se mostram como limites da decisão administrativa discricionária. Quando o órgão que actuou não tinha legitimidade, o tribunal administrativo anulara o acto praticado. Se se demonstrar que a administração não prosseguiu, através dos poderes discricionários, o interesse público, este mesmo acto será anulado por desvio do poder subjectivo. Já no que concerne ao uso dos poderes discricionários, a questão é mais difícil de resolver. Sendo o critério de controlo mais vago, isto é, constituído pelos princípios jurídicos anteriormente referidos, só a violação ostensiva ou intolerável poderá basear a anulação jurisdicional dos actos praticados ao abrigo de poderes discricionários.
A discricionariedade consiste na liberdade conferida pela lei a um órgão administrativo, para que este escolha, dentro de uma série limitada ou ilimitada de comportamentos possíveis, aquele que lhe pareça o mais adequado à satisfação da necessidade pública. Esta mesma discricionariedade nasce a partir da separação com a legalidade e da interpretação de conceitos indeterminados. Onde há vinculação da Administração Pública pela lei, há controlo jurisdicional do respeito dessa lei, mas, onde há discricionariedade, não é possível um tal controlo. A partir da discricionariedade administrativa chegamos aos princípios da boa fé e da protecção da confiança, passando pelos princípios da prossecução do interesse público e da boa administração, ambos definidos nos termos da legalidade. É a discricionariedade que permite em poucas palavras prosseguir os melhores caminhos em casos que devido às mudanças históricas, sociais e económicas se justificam.

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