JOSÉ MIGUEL VITORINO
A presente exposição, têm como principal objetivo, levar-nos a
entender se a Reforma do Poder Local ou
- se o leitor preferir – a Reorganização Administrativa Territorial Autárquica
é de fato uma verdadeira Reforma
Administrativa, na verdadeira aceção da palavra. Avaliando todo o processo
da mesma, propomo-nos a esclarecer alguns dos seus pontos-chave, de modo a perceber o seu possível mérito em termos de
descentralização, redução da dívida pública, ganhos de escala entre outros
objetivos propostos por esta.
Mediante uma grave crise
económica, foi assinado pelo Estado Português o Programa de Assistência
Económica e Financeira (PAEF) com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu
e o Fundo Monetário Internacional, no qual foram
assumidos um conjunto importante de obrigações. Forçado a pedir assistência financeira, o
Governo depende, agora, de um Memorando (1) que “descreve
as condições gerais da política económica (…)” a seguir pelo Governo Português
até 2014 (inclusive). Após breve análise do Memorando
de entendimento sobre as condicionalidades de Politica económica, apercebemo-nos
que no mesmo se definem políticas a
seguir, que se consubstanciam num objetivo último de redução do Défice em metas
anuais.
No Memorando - quer por
iniciativa do Governo, quer das entidades Europeias - consta na sua página 16,
ponto 3.44. relativo à Administração Pública, um objetivo em estudo nesta
breve exposição, o de: “Reorganizar a estrutura da administração local. Existem
atualmente 308 municípios e 4.259 freguesias. Até Julho 2012, o Governo desenvolverá um plano de consolidação para reorganizar e reduzir
significativamente o número destas entidades. O Governo implementará estes
planos baseado num acordo com a CE e o FMI. Estas alterações, que deverão
entrar em vigor no próximo ciclo eleitoral local, reforçarão a prestação do
serviço público, aumentarão a eficiência e reduzirão custos.”
No dia 26 de setembro de 2011 foi apresentado o Documento Verde sobre a
Reforma da Administração Local (2). No mesmo podemos ler que “pretende ser o ponto departida para um debate que se
pretende alargado à sociedade portuguesa, com o objetivo de no final do 1º
semestre de 2012 estarem lançadas as bases e o suporte legislativo de um
municipalismo mais forte, mais sustentado e mais eficaz.” Do Documento em causa, depreendem-se os
principais objetivos da Reforma. São eles: a redução do
número de Freguesias (atualmente em 4.259), a melhoria do funcionamento interno
da Administração Local, o reforço de atuações e competências das Freguesias,
bem como, o aumento do orçamento das freguesias e os ganhos de escala por parte
do Governo.
No dia 30 de maio 2012, foi publicada em Diário da República a Lei n.º 22/2012 (3),
que aprova o regime jurídico da Reorganização
Administrativa Territorial Autárquica. Lei esta que estipula no seu art. 12.º,
o prazo máximo de 90 dias, a contar da sua entrada em vigor (dia seguinte ao da
sua publicação, art. 22.º), para a Assembleia Municipal se pronunciar sobre a Reforma. Caso a Assembleia Municipal não
se pronuncie, cabe a Unidade Técnica (UT) apresentar proposta à Assembleia da
República (AR) (art. 14.º, nº1 alínea b)). Isto posto, no dia 15 de outubro de
2012 terminou o prazo previsto no art. 12.º. Sendo que a UT tem um prazo de 20
dias para se pronunciar (art. 14.º n.º 3), dia 5 de novembro as propostas têm de ser
entregues à AR.
Aparentemente
(4) , até ao dia 22 de Outubro chegaram à
Assembleia da República 146 propostas de agregação de Freguesias. Dessas, só
40, é que respeitam a Lei. As restantes são todas inválidas. O que significa
que 106 propostas vão ser devolvidas ao respetivo Município para serem
reformuladas, como previsto pelo art. 15.º n.º1, tendo a Assembleia Municipal
20 dias para o fazer (art. 15.º n.º3). Se nada for alterado, a UT vai ter que
decidir qual vai ser a redução de freguesias nesses 106 municípios (art. 14.º
n.º1 alínea b)).
As Assembleias Municipais
obrigadas a pronunciar-se eram 223 (do total
de 308, 85 foram isentas de fazer a Reforma,
56 por terem menos de cinco freguesias, 11 câmaras da
Madeira e 18 dos Açores foram também dispensadas de apresentar a pronúncia,
porque a responsabilidade da Reforma
é das respetivas Assembleias Regionais). Assim pelas nossas contas, a UT terá que
decidir por 77 Assembleias que não se pronunciaram, somando ainda as 106 que
poderão não alterar, ou mesmo, não emitir a sua ”nova pronúncia” no prazo
estipulado.
Iniciamos esta parte da nossa
exposição com uma pergunta: seria necessária uma Reforma da Reorganização Administrativa dadas as atuais circunstâncias
que o país atravessa?
A resposta a esta pergunta, em nada
pode ser tendencial, por isso, aqui nos propomos a debater alguns argumentos
com o simples objetivo de perceber se esta Reforma
Administrativa tem mérito ou não passa de uma pura e dura (des)ilusão. Passamos então a analisar alguns argumentos,
que embora sejam descritos em separado, apenas o são no papel, pois as
realidades em análise, em nada podem ser dissociadas na prática.
i)
Importância
do Poder Local (5):
O Poder Local, afigura-se como uma
força absolutamente necessária, ao desenvolvimento do território. É, sem sombra
de dúvida, um instrumento importante na elevação das condições de vida das
populações por permitir uma maior perceção da realidade local - sendo essa a
principal razão do princípio da descentralização administrativa, presente no
art. 237.º da Constituição da Republica Portuguesa (CRP).
A
existência de Autarquias Locais (imperativo constitucional disposto no art.
235.º da CRP), consubstanciam um mais rápido e eficiente tratamento dos
problemas, por existir uma lógica de proximidade que o permite. Importa também
referir que “grande parte das políticas sociais – na educação, apoio aos idosos
e aos deficientes, na habitação social – é municipal.” Assim, temos por
adquirido que o Poder Local é uma ferramenta crucial de uma política mais
democrática e de maior proximidade.
Referida - em traços muito gerais
- a verdadeira importância do Poder Local, importa perguntar: como será possível
as pessoas que ficarão sem junta de freguesia, recorrerem a outra junta a
quilómetros de distância da sua moradia? Falamos em casos onde os transportes
são escassos e a maioria das pessoas são idosas. Nestes casos estar-se-á a
promover uma política de despreocupação, pois todos sabemos que em áreas do
território português, como o Alentejo, a figura do presidente de junta é
essencial, pois a facilidade de mobilidade é algo que simplesmente não existe. Temo
que esta Reforma, venha por isso
contribuir para a desertificação do interior, bem como determinante na redução
da qualidade de vida dos habitantes das Freguesias extintas.
ii)
Municípios
e Freguesias vs. Administração
Central (6):
As Autarquias Locais, apesar de toda
a sua importância no sistema administrativo, estão a perder autonomia: Recebem
do Orçamento de Estado (OE), um valor idêntico ao que recebiam em 2005; a Lei
do Compromissos, limita a autonomia administrativa e financeira; a alteração do
regime jurídico do setor empresarial local, levará ao encerramento de muitas
empresas municipais. Sendo que estes são, só alguns dos maiores problemas, que
podemos retirar dos sucessivos comunicados da Associação Nacional de
Municípios Portugueses (ANMP).
Entendidas algumas das dificuldades que
asfixiam o Poder Local, cabe aqui desfazer o bote expiatório dos problemas de
dívida do país. Um dos grandes argumentos a favor desta Reforma, é o de que o Poder Local comporta uma enorme dívida, este
argumento é tanto apresentado por quem é a favor, bem como é reconhecido por
muitos que são contra. Tal não é inteiramente verdade, ou pelo menos não o é,
nas dimensões apresentadas tantas vezes, no debate político.
A
dívida dos 308 Municípios é de 7.734 mil M€, ora este valor é 4% do PIB
Português. Apesar de “dentro” destes Municípios existirem 4.259 Juntas de
Freguesias, em muito pouco elas
contribuem para este montante. Embora não
seja nossa pretensão analisar aqui a dívida pública, fica feita a referência. Interessante
é, também, ver que em 2012 a Despesa
Total do Estado corresponde a 196.901,3 M€, sendo atribuída à Administração
Local 1.786,3 M€, o que de facto releva para a nossa compreensão da pequenez
dos Municípios e Freguesias na Despesa Pública.
Estamos a falar de 1.2% do PIB, a que corresponde a transferência do OE
para a Administração Local.
iii)
Municípios
vs. Freguesias:
Apresentamos aqui, um dos pontos que
mais foi debatido nas Assembleias Municipais. O raciocínio efetuado é o
seguinte: se o objetivo é cortar, então porque é que a Lei n.º 22/2012, estabelece um
regime obrigatório para a extinção de freguesias, mas facultativo para os
municípios? Bom tal raciocínio terá de ficar sem resposta, uma vez que pelo
tratado ulteriormente percebemos que as freguesias estão longe de ser o
problema. Não temos resposta para esta pergunta, porque tal decisão demonstra
uma profunda insensibilidade e injustiça na legislação em vigor. Achamos que
tal decisão, na diferenciação da extinção entre Freguesias e Municípios é um
atentado do ponto de vista económico, uma vez que em quase nada relevam as
Freguesias em comparação com os Municípios, sendo que estes, pouco relevam se
comparados com algumas empresas públicas.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS:
Isto posto, avaliados alguns dos mais
importantes argumentos em torno da discussão da Reorganização Administrativa Territorial Autárquica.
Pronunciamo-nos de forma negativa sobre a mesma. Não entendemos que sejam
possíveis ganhos em de escala, como disposto na Lei n.º 22/2012, bem como achamos
que o aumento do orçamento das Freguesias em nada seja benéfico face a uma
concentração de servições que influenciará um mais rápido despovoamento de
zonas rurais. Acrescem á nossa decisão, não só os fatores económicos, mas
principalmente os fatores socias que entendemos serem reduzidos e deixarem de
existir em muitas Freguesias do País. A distinção impercetível que a Lei faz
entre Municípios e Freguesias também não é por nos entendida com menos
desagrado, sedo na verdade considerada de repugnante do ponto de vista
democrático, uma vez que foi feita somente para consagrar alguns interesses
políticos.
Não podemos aceitar uma Reforma
que prossiga uma política de inversão à tendência da descentralização.
Entendemos que esta Reorganização nestes moldes em pouco releva, mas
subscrevemos a posição de que de facto é importante uma Reforma Administrativa, embora não desta forma. Concluímos,
afirmando que esta Reforma desde o
seu início - no acordo do memorando com a Troika – padeceu de um vício
gravíssimo, que foi o manifesto mal entendimento do que seriam as Freguesias e
Municípios. Não houve uma perceção real da realidade Administrativa Portuguesa.
Quer tenha sido essencial, quer não tenha, o que releva é que o Governo
Português implementou uma Reforma que não passa de uma mera des(ilusão).
REFERÊNCIAS:
(1) Memorando
de entendimento sobre as condicionalidades de Politica económica: http://aventar.eu/2011/05/04/memorando-da-troika-em-portugues/
(2) Documento Verde sobre a Reforma da Administração Local: http://www.portugal.gov.pt/media/132774/doc_verde_ref_adm_local.pdf
(3) Lei n.º
22/2012: http://dre.pt/pdfgratis/2012/05/10500.pdf
(4) Referencias baseadas no “jornal de Negócios”. “O
documento a que o Negócios teve
acesso foi compilado pela bancada parlamentar do PS, com base nos dados
disponibilizados pela UTRAT, e inclui as propostas recebidas até ao dia 22 de
Outubro.”:http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=586713
(5) Ver,
Resolução do Concelho Geral da ANMP: http://www.anmp.pt/files/dfin/2012/ResolConselhoGeral07mai2012.pdf
(6) Ver, Relatório do OE para 2013
(pág.109 e segs.): http://static.publico.pt/docs/economia/OE2013/Rel-OE2013.pdf
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