por Nuno Miguel Igreja Matos, nº22102
1 - A
privatização/concessão da RTP traduz-se numa equação difícil. São inúmeras as
variáveis a considerar e nenhuma deve ser menosprezada, sob pena do resultado
final se revelar falível. A complexidade da questão é tal que qualquer solução
sugerida parece falhar sempre nalgum aspecto em concreto, seja ele político,
económico ou jurídico (por exemplo, constitucional) – é como se estivéssemos
perante uma esfera, nunca a conseguindo visualizar em toda a sua extensão. Na
demanda pelo “maior consenso possível”, enquanto corolário de uma democracia
que ser quer bem implementada, releva analisar com toda a minúcia e
transparência cada uma destas variáveis, almejando, com a devida consciência do
quão herculiana é esta missão, não tanto uma resposta definitiva, mas contribuir
para o debate que tanto tem inquietado a opinião pública hodierna.
2 - A celeuma em causa está minada de associações demagógicas e crenças ideológicas cujo manuseio implica, logo à partida, ferir sensibilidades. A conjuntura actual é propícia a argumentações mais emocionais, ora reivindicando que os gastos com a RTP fazem falta a outras áreas mais essenciais do Estado-providência, ora alegando que a crise não justifica a extinção de áreas de interesse público. E logo aqui variadas perguntas se levantam: quanto custa a RTP; em que se distingue dos demais canais; e, inevitavelmente, o que é, afinal, o serviço público.
Em primeiro lugar, as receitas provenientes de fundos públicos da RTP reconduzem-se a duas fontes: a indemnização compensatória (que surge em 2003, como contrapartida da decisão de diminuir a publicidade nos canais públicos, num protocolo que pode ser consultado aqui) ) e a contribuição audiovisual, uma taxa que funciona como imposto. A evolução destas é visível no gráfico seguinte, com dados do Relatório e Contas 2011 da RTP:
2 - A celeuma em causa está minada de associações demagógicas e crenças ideológicas cujo manuseio implica, logo à partida, ferir sensibilidades. A conjuntura actual é propícia a argumentações mais emocionais, ora reivindicando que os gastos com a RTP fazem falta a outras áreas mais essenciais do Estado-providência, ora alegando que a crise não justifica a extinção de áreas de interesse público. E logo aqui variadas perguntas se levantam: quanto custa a RTP; em que se distingue dos demais canais; e, inevitavelmente, o que é, afinal, o serviço público.
Em primeiro lugar, as receitas provenientes de fundos públicos da RTP reconduzem-se a duas fontes: a indemnização compensatória (que surge em 2003, como contrapartida da decisão de diminuir a publicidade nos canais públicos, num protocolo que pode ser consultado aqui) ) e a contribuição audiovisual, uma taxa que funciona como imposto. A evolução destas é visível no gráfico seguinte, com dados do Relatório e Contas 2011 da RTP:
Em suma, em 10
anos foram despendidos 2,3 mil milhões de euros com a RTP. A utilidade retirada
deste valor deve ser estudada, nunca à luz da quantificação do valor em si, mas
à luz dos “produtos” que o canal oferece, ou, melhor considerando, da pretensa
exclusividade desses “produtos”.
Principiando
pela RTP1, a Lei da Televisão enumera, no seu artigo 51º, as incumbências do
canal de serviço público. Analisando-as, conclui-se que, com maior ou menor amplitude, não há nenhum serviço aí
estipulado que os privados não vão também oferecendo. Citando alguns exemplos,
veja-se, por exemplo, a reconhecida qualidade dos documentários da SIC, os
espaços para comentários da actualidade por figuras de diferentes quadrantes,
as entrevistas a membros do Governo, as missas dominicais na TVI, etc.. Dificilmente
se considerará que a grelha de programação da RTP1, não sendo afinal tão
exclusiva nos serviços públicos que oferece, justifique tão exorbitante gasto
público.
Refira-se ainda que a questão pode ser, com algum bom senso, resolvida
muito antes: a própria dúvida e falta de consenso sobre a qualidade do serviço
prestado pela RTP1 é um indicador, desde logo, de que este carece da aprovação
mínima necessária para a qualificação como de interesse público.
3 – A RTP2 é, todavia, uma realidade distinta e deve ser analisada em
separado. Com um custo anual a rondar os 20 milhões de euros, destaca-se como o
canal paradigmático do serviço público puro, enquadrando na sua programação
espaços informativos e outros de conteúdo variado, úteis às minorias sociais,
políticas, artísticas e desportivas – tudo isto sem publicidades comerciais
(predominam as institucionais).
Assim sendo, a RTP2 seria a escolha óbvia para a ideia da manutenção de um
canal de serviço público, indispensável nos termos do 38º/5 da Constituição da
República Portuguesa. Contudo, a viabilidade desta solução acaba por ser posta
em causa quando confrontada com uma simples constatação: a RTP1, graças aos
seus 6 minutos de publicidade, mantém-se como o ramo mais saudável da empresa
(ainda que à custa das injecções públicas de capital, como supra demonstrado); a
ser privatizada deixaria nas mãos da humilde RTP2 uma dívida que ultrapassa os
500 milhões de euros.
4 – A
missão além-fronteiras por estes dias atribuída à RTP Internacional e RTP África
cumpre um imprescindível serviço público, não tanto no respeitante aos seus
conteúdos programáticos, mas sobretudo na promoção de um contacto constante
entre os emigrantes e estrangeiros e a informação e cultura nacional,
enquadrada nos termos da cláusula 2ª/d) do Contrato de Concessão do Serviço Público de Televisão.
Por outro lado, e seguindo aqui os imperativos de cortes financeiros que
parecem reger todas as áreas da Administração e da sociedade portuguesa em geral,
o dualismo de canais de carácter internacionalista (um global e outro voltado
para os PALOP) poderia, com alguma sensibilidade, ser fundido num só, salvaguardando-se
um bloco programático inteiramente dirigido aos países que hoje usufruem da RTP
África. O corte não constituiria um corte da despesa de impacto imediato, mas
certamente que, a médio/longo prazo, seria benéfico para a ambição da
auto-sustentabilidade do serviço público.5 - A opção nunca será fácil. Se, por um lado, a premência do Governo por uma receita extraordinária se traduz inevitavelmente na opção pela alienação da licença de (pelo menos) um canal, por outro, o cenário não poderia ser pior para privatizar. Acresce ainda a dificuldade de entender a real posição do Governo e da oposição, tanto procurando fugir de decisões impopulares como alertando para a particularidade financeira do país, num jogo de bastidores político que pouco beneficia a transparência que deve imperar em decisões desta magnitude.
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