Desde a Revolução Francesa, devido à instauração da separação
de poderes, a Administração está submetida ao regime da legalidade. É o chamado
princípio da sujeição da Administração Pública à lei (art. 266º, nº 2 CRP).
Em Portugal a Administração Pública submete-se ao Direito e
aos Tribunais Administrativos. Tal facto fundamenta-se no facto da necessidade
de prosseguir o interesse público e de o salvaguardar. Daí que a Administração
não se submeta às soluções de Direito Privado, pois ela necessita de soluções
específicas para Direito Administrativo. A Administração pretende prosseguir o
interesse público, o qual deve ter primazia sobre os interesses privados
(excepto quando estejam em causa direitos fundamentais dos particulares). Tal
primazia exige que a Administração tenha poderes de autoridade relativamente
aos particulares, mas apenas por causa do seu objectivo: o interesse público.
Algumas das relações jurídicas entre a Administração e os
particulares sob o controlo dos tribunais administrativos são: os recursos de
anulação dos actos administrativos arguidos de ilegalidade; e a impugnação dos
regulamentos ilegais e as acções relativas aos contratos administrativos.
No entanto, nem todas as relações jurídicas estabelecidas
entre a Administração e os particulares são da competência dos tribunais
administrativos, mas sim dos Tribunais comuns, como é o caso dos direitos
emergentes de contratos civis ou comerciais celebrados pela Administração, ou
de responsabilidade civil dos poderes públicos por actividades de gestão
privada.
Na teoria funciona assim, ou seja, a administração submete-se
à lei, mas e na prática?
Segue-se um caso, em que mostra que na prática isso pode
funcionar de uma forma diferente…
A hierarquia administrativa é um modelo de organização
administrativa vertical, que ocorre entre órgãos e funcionários de uma pessoa
colectiva, e pressupõe a existência de diferentes graus que se caracterizam
pelo superior hierárquico ter o poder de direcção sobre o subalterne, isto é, o
superior hierárquico emite comandos que vinculam o subalterne, e este, por sua
vez, tem o dever de obediência, senão ocorre em responsabilidade disciplinar.
O superior hierárquico, para além do poder de direcção tem
também o poder de supervisão (faculdade de suspender ou revogar actos
administrativos praticados pelo seu subalterne), de disciplinar (faculdade de
punir o subalterne), de substituição (faculdade de actuar em vez do
subalterne), entre outros. Algumas destas relações jurídicas regem-se pela Lei
n.º 58/2008 de 9 de Setembro sobre o estatuto disciplinar dos trabalhadores que
exercem funções públicas.
Em correlação aos poderes do superior hierárquico, o
subalterne tem o dever de obediência, o que significa que tem a obrigação de
cumprir as ordens dos seus legítimos superiores hierárquicos (art. 3º, n.º 2 f)
da Lei n.º 58/2008).
As normas dos superiores hierárquicos possuem certos
requisitos para serem obedecidas, sendo requisitos extrínsecos, de natureza
formal: tem que ser em matéria de serviço; tem que provir do legítimo superior
hierárquico; ter a forma prescrita, apesar de em norma as ordens serem feitas
verbalmente.
No entanto há ainda outro requisito, que é um elemento
intrínseco de natureza material, ou seja, o facto de a ordem hierárquica
prevalecer à legalidade. Aqui coloca-se a questão do que fazer quando uma ordem
for ilegal:
- Haverá o dever de obediência por parte do subalterne de uma
norma ilegal? Argumentando-se que o subalterne não tem o direito de interpretar
ou questionar a legalidade das ordens.
OU
- Não existe o dever de obediência em relação a ordens
julgadas ilegais?
Segundo o art. 271º, n.º 3 da CRP “cessa o dever de
obediência sempre que o cumprimento das ordens ou instruções implique a prática
de qualquer crime”. Podemos aqui verificar um chamado “sistema legalista
mitigado”, pois o que se retira deste artigo é que sendo dadas ordens ilegais
que não constituam crime, o funcionário que as cumprir só ficará excluído da
responsabilidade se antes tiver reclamado ou exigido a transmissão delas por
escrito, fazendo expressamente menção de que as considera ilegais (art. 5º, n.º
1 e 2). A doutrina defende também a desobediência a actos que sejam nulos.
Se no período de espera da resposta do superior à reclamação
ou exigência de confirmação da ordem por escrito, a demora na execução possa
causa prejuízo ao interesse público, o subalterne deve comunicar logo a
situação por escrito ao seu imediato superior hierárquico e de seguida executar
a ordem, sem que assim seja responsabilizado.
Caso contrário, se cumprir as ordens e não seguir estes
procedimentos, terá que responder pela responsabilidade dos seus actos
praticados, pois é ele quem pratica o acto, logo é ele que será prejudicado.
Posto isto, podemos concluir que o dever de obediência das ordens
ilegais é uma excepção ao princípio da submissão da Administração Pública à
lei, apesar de ser legitimada pela Constituição Portuguesa no seu art. 271º,
n.º 3. Por isso, não há de facto uma absoluta sujeição do Direito
Administrativo à legalidade.
http://dre.pt/pdf1sdip/2008/09/17400/0626006274.pdf
Ângela Almeida
n.º 22038
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