quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Princípio da legalidade e a hierarquia administrativa

          Desde a Revolução Francesa, devido à instauração da separação de poderes, a Administração está submetida ao regime da legalidade. É o chamado princípio da sujeição da Administração Pública à lei (art. 266º, nº 2 CRP).
           Em Portugal a Administração Pública submete-se ao Direito e aos Tribunais Administrativos. Tal facto fundamenta-se no facto da necessidade de prosseguir o interesse público e de o salvaguardar. Daí que a Administração não se submeta às soluções de Direito Privado, pois ela necessita de soluções específicas para Direito Administrativo. A Administração pretende prosseguir o interesse público, o qual deve ter primazia sobre os interesses privados (excepto quando estejam em causa direitos fundamentais dos particulares). Tal primazia exige que a Administração tenha poderes de autoridade relativamente aos particulares, mas apenas por causa do seu objectivo: o interesse público.

Algumas das relações jurídicas entre a Administração e os particulares sob o controlo dos tribunais administrativos são: os recursos de anulação dos actos administrativos arguidos de ilegalidade; e a impugnação dos regulamentos ilegais e as acções relativas aos contratos administrativos.

No entanto, nem todas as relações jurídicas estabelecidas entre a Administração e os particulares são da competência dos tribunais administrativos, mas sim dos Tribunais comuns, como é o caso dos direitos emergentes de contratos civis ou comerciais celebrados pela Administração, ou de responsabilidade civil dos poderes públicos por actividades de gestão privada.

 

Na teoria funciona assim, ou seja, a administração submete-se à lei, mas e na prática?

 

Segue-se um caso, em que mostra que na prática isso pode funcionar de uma forma diferente…

A hierarquia administrativa é um modelo de organização administrativa vertical, que ocorre entre órgãos e funcionários de uma pessoa colectiva, e pressupõe a existência de diferentes graus que se caracterizam pelo superior hierárquico ter o poder de direcção sobre o subalterne, isto é, o superior hierárquico emite comandos que vinculam o subalterne, e este, por sua vez, tem o dever de obediência, senão ocorre em responsabilidade disciplinar.

O superior hierárquico, para além do poder de direcção tem também o poder de supervisão (faculdade de suspender ou revogar actos administrativos praticados pelo seu subalterne), de disciplinar (faculdade de punir o subalterne), de substituição (faculdade de actuar em vez do subalterne), entre outros. Algumas destas relações jurídicas regem-se pela Lei n.º 58/2008 de 9 de Setembro sobre o estatuto disciplinar dos trabalhadores que exercem funções públicas.

Em correlação aos poderes do superior hierárquico, o subalterne tem o dever de obediência, o que significa que tem a obrigação de cumprir as ordens dos seus legítimos superiores hierárquicos (art. 3º, n.º 2 f) da Lei n.º 58/2008).

As normas dos superiores hierárquicos possuem certos requisitos para serem obedecidas, sendo requisitos extrínsecos, de natureza formal: tem que ser em matéria de serviço; tem que provir do legítimo superior hierárquico; ter a forma prescrita, apesar de em norma as ordens serem feitas verbalmente.

No entanto há ainda outro requisito, que é um elemento intrínseco de natureza material, ou seja, o facto de a ordem hierárquica prevalecer à legalidade. Aqui coloca-se a questão do que fazer quando uma ordem for ilegal:

 

- Haverá o dever de obediência por parte do subalterne de uma norma ilegal? Argumentando-se que o subalterne não tem o direito de interpretar ou questionar a legalidade das ordens.

OU

- Não existe o dever de obediência em relação a ordens julgadas ilegais?

 

Segundo o art. 271º, n.º 3 da CRP “cessa o dever de obediência sempre que o cumprimento das ordens ou instruções implique a prática de qualquer crime”. Podemos aqui verificar um chamado “sistema legalista mitigado”, pois o que se retira deste artigo é que sendo dadas ordens ilegais que não constituam crime, o funcionário que as cumprir só ficará excluído da responsabilidade se antes tiver reclamado ou exigido a transmissão delas por escrito, fazendo expressamente menção de que as considera ilegais (art. 5º, n.º 1 e 2). A doutrina defende também a desobediência a actos que sejam nulos.

Se no período de espera da resposta do superior à reclamação ou exigência de confirmação da ordem por escrito, a demora na execução possa causa prejuízo ao interesse público, o subalterne deve comunicar logo a situação por escrito ao seu imediato superior hierárquico e de seguida executar a ordem, sem que assim seja responsabilizado.

Caso contrário, se cumprir as ordens e não seguir estes procedimentos, terá que responder pela responsabilidade dos seus actos praticados, pois é ele quem pratica o acto, logo é ele que será prejudicado.

 

Posto isto, podemos concluir que o dever de obediência das ordens ilegais é uma excepção ao princípio da submissão da Administração Pública à lei, apesar de ser legitimada pela Constituição Portuguesa no seu art. 271º, n.º 3. Por isso, não há de facto uma absoluta sujeição do Direito Administrativo à legalidade.

 

 

http://dre.pt/pdf1sdip/2008/09/17400/0626006274.pdf

 

 

Ângela Almeida

n.º 22038

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