terça-feira, 6 de novembro de 2012

Polémica da gestão privada dos hospitais públicos

                                                                                                                          por Ana Rapoula, nº20968


Assiste-se hoje a inúmeras transformações de direito e de facto que se enquadram num movimento generalizado de privatização da Administração Pública. Várias são as dimensões desses fenómenos de privatização, no que toca à organização e à actividade administrativa. Em primeiro lugar, há que ter em consideração alguns conceitos que se aplicam ao ramo do direito administrativo e ao tema a que me refiro, ou seja, à polémica dos Hospitais-Empresa. Numa primeira visão, deve entender-se o que é o fenómeno de privatização substancial (material) de actividades. Verifica-se quando uma tarefa que antes estava atribuída ao sector público deixa de ser substancialmente pública e passa a ser substancialmente privada (no seu todo ou apenas em parte). Por outras palavras, traduz-se numa privatização de tarefas estaduais diferente, portanto, da designada privatização patrimonial, enquanto mera privatização de bens públicos.

Um segundo fenómeno intitula-se de privatização formal, que diz respeito à gestão ou à organização administrativa, onde as tarefas continuam a ser substancialmente públicas, mas passam a ser geridas pelos entes públicos através da aplicação do direito privado ou por entes públicos com forma privada. É de referir ainda que quando a privatização é feita apenas no tocante à gestão, isso indica-nos que estamos perante um terceiro e outro fenómeno, o da empresarialização das pessoas colectivas públicas – como o caso das entidades públicas empresariais (Exemplo: hospitais-empresa). Utilizando este terceiro fenómeno da empresarialização das pessoas colectivas públicas, compete-nos fazer uma interligação com a gestão privada, que tem como fim último a redução de desperdícios e obtenção máxima de eficiência (ou seja, fazer bem as tarefas com os recursos mínimos disponíveis) e eficácia (fazer bem). E, em termos de eficiência administrativa, esta não se traduz numa privatização do serviço público, mas sim numa profissionalização da administração.
Um hospital, sendo um instituto público (segundo a opinião do professor Diogo Freitas do Amaral traduz-se numa pessoa colectiva pública, de tipo institucional que assentam sobre uma organização de carácter material e não de pessoas, criadas para assegurar o desempenho de determinadas funções administrativas de carácter não empresarial, pertencentes ao Estado ou a outra pessoa colectiva pública), ao ser gerido por entes privados irá consistir numa utilização de recursos administrativos privados que, relacionados com a eficiência administrativa acima referida, têm como pretensão principal findar a morosidade do serviço público criando mecanismos de melhora profissional nos hospitais em prol da população e, como consequência, contribuir para o desemparelhamento do Estado como ente público. Para que tal gestão privada seja feita, é necessária a introdução de um novo fenómeno, o fenómeno da concessão que é uma modalidade de contrato de direito público onde o poder público concede às empresas/entidades, o exercício de execução de um determinado serviço, com recursos públicos. Aqui, a titularidade do serviço não deixa de ser do Estado (continua a existir investimento público e os médicos continuam a ser financiados pelo Estado), apenas o exercício é transferido para o ente privado.
Um dos entraves à aplicação da privatização na gestão dos hospitais públicos prende-se com opiniões de que as pessoas, a saúde e a doença não podem ser qualificados como números, o que dificulta a passagem da gestão pública para a gestão privada. 
Aliado a este entrave, pode ser referido outro e não menos importante como sendo o conflito de interesses operado entre a classe económica (numa vertente micro-económica) e a classe médica, onde esta última se recusa, na sua grande maioria, que exista uma administração privada nos hospitais públicos porque se isso acontecer os contratos laborais terão alterações, os contactos dos médicos com os laboratórios serão mais controlados e até mesmo os controlos de horário de trabalho. Dito por outras palavras, mas não menos verídicas, ao se aplicar esta privatização na gestão dos hospitais públicos, iria-se tirar regalias aos médicos desses mesmos hospitais. 

Analisando a questão desta privatização do ponto de vista do Estado e numa visão económica, reportando-nos agora ao défice orçamental anual dos hospitais públicos, importa dizer que o facto de os hospitais serem geridos por entidades privadas (ou terem um elemento que não tenha haver com um funcionário médico na sua gestão) não significa que o Estado deixe de comparticipar ou pagar as despesas dos hospitais. Os hospitais públicos recebem um orçamento hospitalar anual e como não existe uma gestão adequada e eficiente, chegam ao fim do ano com um défice orçamental muito acentuado. O que o Estado pretende é, através do OE (Orçamento de Estado), atribuir uma verba ao Ministério da Saúde (que reparte pelos hospitais públicos) que em simultâneo com a administração privada irão gerir o orçamento, de maneira a que seja funcional anualmente.
Os motivos que determinam a escolha pela Administração do direito privado (e, a meu ver a melhor escolha) são razões de eficiência, tais como: uma maior capacidade de gestão empresarial que contribui para a celeridade, flexibilidade e diminuição dos controlos burocráticos (quer em termos financeiros, quer em termos contabilísticos), sendo sempre o objectivo o cumprimento da prestação do serviço público e, consequentemente da realização eficaz do interesse público e não o lucro.

Tal como em supra referi, a utilização do direito privado neste domínio hospitalar aparece combinada com limitações e regalias de direito público – podendo-se designar por direito administrativo privado. O que está também sujeita a limites é a concessão de poderes públicos a entidades privadas, que se subdividem em limites qualitativos (ocorrem só no âmbito de tarefas públicas e quando seja justificada pela situação) e quantitativos (quando os poderes públicos ―concedidos delegados, são excepcionais e enumerados). 

Em conclusão, ainda se verifica a existência de um preconceito no nosso país, em relação à concessão da gestão de serviços públicos à iniciativa privada, pelo receio que na iniciativa privada possa ser mais propício a existência de corrupção. Mas, através dos novos métodos de verificação dos gastos com transparência e divulgação de dados detalhados da gestão em causa, esse precoceito tem vindo a ser minorado.





 

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