sábado, 17 de novembro de 2012


A NOVA LEI DAS FREGUESIAS

 Um novo problema ou uma solução eficiente?




Ao abordar este tema, torna-se imprescindível proceder a um esclarecimento que se pretende sucinto e claro de matérias relativas à Administração Publica, sendo elas: Administração Pública em sentido orgânico, a reforma administrativa, a administração local do Estado, a Administração Autónoma e, por fim, as autarquias locais(que compreendem, claro está, as freguesias). De referir que, todas estas matérias estão interligadas e não obstante de este artigo se referir às freguesias, ajudaram a compreender o que está em causa no que toca a uma nova lei que as regule.
Relativamente à Administração pública em sentido orgânico, importa referir que a administração pública não é uma actividade exclusiva do Estado, embora esta seja a principal entidade de entre as que integram a administração. No séc. XIX a administração estava nas mãos dos municípios. Porém, hoje, a administração pública estadual ocupa o primeiro lugar na tarefa administrativa, embora não possamos esquecer o princípio da descentralização (por exemplo, a administração regional e municipal). Aliás, os municípios e as autarquias são tidos como realidades pré-existentes e não inteiramente subordinadas ao Estado, existe aquilo que é chamado “poder local”. A administração pública tem como fim principal a realização em termos concretos do interesse geral definido pela função política; como objectivo, a satisfação regular e contínua do destino colectivo e tem ainda natureza executivo, com caracter secundário e condicionado.
Ora, a lei em questão neste artigo vem na continuação de uma reforma administrativa levada a cabo em Portugal. Por reforma administrativa entende-se o conjunto sistemático de providências destinadas a melhorar a Administração Pública de um dado país, por forma a torná-la, por um lado mais eficiente na prossecução dos seus fins e, por outro, mais coerente com os princípios que a regem. Assim, não é apenas uma técnica ao serviço da eficiência, mas também, sobretudo, uma política posta ao serviço do Homem.
Relativamente à administração local do Estado, esta assenta em três ordens de elementos: a divisão do território, os órgãos locais do Estado e os serviços locais do Estado. Relativamente à divisão do território, esta pode ser uma divisão judicial ou administrativa. Dentro da divisão administrativa geral podemos distinguir: divisão administrativa para efeitos de administração local do estado e para efeitos de administração local autárquica. Tendo em conta que as circunscrições administrativas são zonas existentes no país para efeitos de administração local, é importante não confundir este conceito com o de administração local propriamente dita. A destrinça baseia-se essencialmente em dois aspectos: enquanto a circunscrição é apenas uma porção do território que resulta de uma certa divisão do conjunto, a autarquia local é uma pessoa colectiva, uma entidade pública administrativa. Para além disso, as circunscrições administrativas são parcelas do território nas quais actuam órgãos do Estado ou nas quais se baseiam e assentam autarquias locais, enquanto as últimas são entidades distintas com personalidade jurídica própria. Relativamente às divisões administrativas básicas, o que aqui nos interessa é a divisão do território para efeitos de administração local autárquica, que se divide actualmente em freguesias e municípios.

Sabemos que o Estado (mais propriamente o Governo)- artº 199/d CRP- tem sob a sua tutela a Administração Autónoma. A nossa Constituição distingue, no seu artº 202, e três grandes modalidades: a Administração directa, a estadual indirecta e a autónoma. Mas em que consiste, afinal, a Administração autónoma do Estado? Por esta última entende-se aquela que prossegue interesses públicos próprios das pessoas que a constituem e por isso se dirige a si mesma, definindo com independência a orientação das suas actividades, sem sujeição à hierarquia ou à superintendência do Governo. Prossegue interesses públicos próprios das pessoas que a constituem, ao contrário da administração indirecta que prossegue interesses do Estado, ou seja, prossegue fins alheios. A administração autónoma caracteriza-se pela sua autodeterminação pois dirige-se a si mesma, os seus órgãos definem com independência a orientação das suas actividades. O que a distingue das demais é também o facto de se administrar a si mesma, não devendo obediência a ordens, directivas ou orientações do governo. São três as entidades incumbidas da administração autónoma; as associações públicas, as autarquias locais e as regiões autónomas. Todas elas têm em comum um substrato humano, sendo que as primeiras são entidades de tipo associativo enquanto que as demais são chamadas pessoas colectivas de população e território.
Debrucemo-nos, agora sobre o respeitante às autarquias locais. A existência das autarquias locais resulta de um imperativo constitucional (art .237 da CRP). Segundo nº 2 do mesmo artigo, as autarquias locais são “ pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das respectivas populações”. As autarquias locais são pessoas colectivas distintas do Estado, embora possam por ele ser fiscalizadas, controladas ou subsidiadas. Comportam quatro elementos essenciais, refira-se, o território, o agregado populacional, os interesses próprios e os órgãos representativos da população.
Relativamente ao princípio da autonomia local, este surge como espaço livre de decisão das autarquias sobre assuntos do seu interesse próprio, espaço esse que não pode ser retirado, sob pena de atentar contra o princípio do estado Democrático. Tem-se a autonomia local como uma forma de liberdade, de limitação do poder politico, indissociável ao estado de direito democrático- como proclama a Carta Europeia da Autonomia, ratificada por Portugal. Este princípio abrange não só um domínio reservado à intervenção exclusiva das autarquias mas também poderes decisórios independentes e o direito de recusar soluções impostas unilateralmente pelo poder central.
Atentando agora sobre a matéria respeitante às freguesias, mote deste artigo e consequentemente a que mais releva, de notar que a C.R.P não nos dá nenhuma definição das mesmas. Porém, podemos definir freguesia como sendo autarquias locais que, dentro do território municipal, visam a prossecução de interesses próprios da população residente em cada circunscrição paroquial.  A criação das mesmas está regulada pela lei n.º8/93, de 5 de Março, e só pode ser feita por lei da A.R, no seu art.º2. À face da nossa lei, as freguesias estão sujeitas a duas ordens de classificações: freguesias urbanas ou rurais e ainda freguesias de 1ª ordem, de 2ª ordem, de 3ª ordem, conforme a dimensão populacional. Relativamente à matéria atribuída às freguesias, a mesma é regulada pelo artigo 2.º da LAL e pelos artigos 253 e 254 do CA. A mesma matéria poder-se-á dividir em três planos: político, económico e, por fim, cultural e social. Politicamente, realizam o recenseamento eleitoral dos processos eleitorais de caracter politica e administrativo. A nível económico, ocupam-se da administração dos seus bens ou dos bens sujeitos à sua jurisdição, promovendo ainda obras públicas. No último plano estão inseridas as acções de maior importância cultural popular e assistência social, incluindo tarefas de saúde pública. De notar que, os municípios podem delegar nas freguesias a realização de investimentos municipais financiados pelas respectivas câmaras, na condição da aceitação dessas delegações pela junta e ratificação da assembleia da freguesia. Refira-se, por último, que a freguesia é composta por dois órgãos principais: a Assembleia de Freguesia (órgão deliberativo e representativo dos habitantes) e a Junta de Freguesia (órgão executivo).
Face à observância do que acima foi explanado, estamos agora em posição de perguntar: mas o que tem afinal de tão polémico esta nova lei? Quais são as suas implicações reais no plano social e administrativo do nosso país? Antes de mais, importa esclarecer o que a mesma vem regular. Esta lei (que teve como ponto de partida o chamado “Documento Verde da Reforma da Administração Local”) vem impor uma redução bastante significativa do número de freguesias e de empresas municipais, prevendo também a revisão do modelo de financiamento e incentivos à agregação de municípios. Essa mesma extinção seria feita com base em três critérios: o número de habitantes, a distância da sede do concelho e a tipologia de áreas urbanas. Tem, desta feita, quatro áreas de intervenção: o sector empresarial local, a organização do território, a gestão municipal, intermunicipal e o financiamento e a democracia local. Não poderemos de forma alguma ponderar esta questão sem ter em conta o contexto na qual surgiu, em plena crise financeira portuguesa. É que esta nova lei vem em consequência do estado da economia portuguesa (a qual penso, nem valha a pena a qui adjectivar) e resulta do Memorando de Entendimento estabelecido entre o Governo Português, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional. Como constava da proposta de lei Nº 44/XII de Fevereiro de 2012, o objectivo principal desta medida visa a extinção de 1.300 a 1.500 das 4.259 freguesias existentes em território nacional. De notar ainda que esta medida vem extinguir obrigatoriamente as freguesias com número inferior a 150 habitantes. Esta reforma está orientada para uma melhoria do serviço público, aumentando a eficiência e reduzindo custos, sempre considerando as especificidades locais tais como a existência de diferentes tipologias de territórios (áreas metropolitanas, urbanas ou rurais). Na minha opinião, e face à conjuntura económica que enfrentamos, era já imprescindível (eu diria até obrigatório) rever o regime de financiamento das autarquias locais. Considero, porém, que não chega reduzir significativamente o número de freguesias, é preciso fazer acompanhar esta medida de uma política que lhes dê escala, dimensão e novas competências, apostando em políticas de proximidade. Penso que sobressai aqui um imperativo de melhoramento da gestão do território e da prestação de serviço público aos cidadãos. De notar que, quanto à gestão municipal, intermunicipal e financiamento, aposta-se na dupla descentralização do Estado para os municípios e dos municípios para as freguesias. Trata-se aqui de uma verdadeira reforma da administração local que vem visar o reforço do municipalismo, promovendo a coesão e a competitividade territorial através do poder local.
Contra o que acima defendo, poderia argumentar-se o facto desta medida poder ser factor de perda de identidade das regiões, bem como factor de perda de património histórico, cultural e social. Poder-se-ia ainda dizer que há uma grande quebra com a proximidade da Administração Central, podendo isso contribuir para uma penalização do desenvolvimento local. Apesar de referir estes argumentos, considero que não são suficientemente fortes para implicar a não concordância com a lei, pelo que a mesma, se aplicada naquilo que lhe é conforme, trará vantagens que superarão esta distanciação.

Raquel Frazão Vaz / N.º22097 / A3

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