domingo, 2 de dezembro de 2012

A reestruturação do quadro das freguesias


A descentralização é uma realidade hoje aceite e indubitável em Portugal. A partir do momento em que existem pessoas colectivas diferentes do Estado, que exercem actividades administrativas, existe descentralização em sentido jurídico. O Professor Diogo Freitas do Amaral considera que, nos nossos dias, temos também uma descentralização em sentido político porque estamos perante um fenómeno de auto-administração, devido à eleição dos órgãos representativos das populações locais por elas próprias.

Por outro lado, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa não considera as autarquias locais como descentralização política mas somente descentralização administrativa, tendo em conta a existência de faculdades inspectiva e integrativa de tutela do Estado sobre as autarquias locais. Por vezes põe-se em questão a possível existência de uma tutela de mérito sobre as autarquias locais. O Professor Marcelo Rebelo de Sousa considera que “apesar das dúvidas suscitadas acerca da boa administração [das autarquias locais], a consagração da tutela de mérito pode acarretar um condicionamento muito intenso da autonomia autárquica, de efeitos imprevisíveis”.

            As autarquias locais são expressamente consagradas pela Constituição da República Portuguesa no seu artigo 235º. O artigo 236º, nº1, estabelece que “no continente as autarquias locais são as freguesias, os municípios e as regiões administrativas”. O tema central desta dissertação vai de encontro à primeira destas autarquias locais. O Instituto Nacional de Estatística (INS) demonstra que existiam em Portugal, no ano de 2010, 4260 freguesias (anexo nº1). Estas freguesias gozam de autonomia face ao Estado e as suas únicas forma de controlo materializam-se na tutela inspectiva e integrativa e em alguma dependência das suas receitas face ao Estado.

            Contudo, é ponto assente entre a Doutrina que o poder local ainda não é um dado adquirido e que ainda há um longo caminho a percorrer até chegar a um efectivo poder local, em que as autarquias locais têm total autonomia, competências próprias e recursos financeiros suficientes para se regerem sem necessidade de recorrer ao poder central. Outro factor de discussão prende-se com a “boa administração” destas autarquias locais. Se por um lado é verdade que os sucessivos Governos não têm cumprido a lei no que toca aos montantes financeiros destinados ao poder local, também é inegável que as autarquias locais têm despesas excessivas no cumprimento das suas atribuições, e particularmente gastos excessivos em pessoal e em certos serviços.

            Como será possível resolver estes problemas? Poder-se-ia insistir numa ampliação da tutela do Estado? Quanto a este ponto, afigura-se difícil estar a modificar os termos actualmente existentes, até pela complexidade da questão que traria desde logo a discussão em torno da constitucionalidade dessas modificações. A tutela das autarquias locais, para além do disposto no artigo 242º da CRP, é também regulada pelo artigo 8º da Carta Europeia da Autonomia Local e que consagra uma tutela administrativa que vise assegurar “o respeito pela legalidade e pelos princípios constitucionais”. De todo o modo, a autonomia das autarquias locais é um limite material de revisão, disposto no artigo 288º, alínea n) da CRP.

            De facto, seria extremamente difícil proceder-se a uma reforma do poder local. Todavia, e até para fazer frente ao actual contexto de crise económica que se vive em Portugal, é imprescindível actuar e modificar o regime vigente no âmbito das autarquias locais. Na minha opinião, não parece correcto que um país com a dimensão territorial de Portugal compreenda um total de 4260 freguesias. Mais freguesias significam mais juntas, mais assembleias, mais serviços, mais tarefas. Implicam um aumento dos custos que por vezes não são necessários. Só no município de Lisboa temos 53 freguesias. Será que dentro de um município como Lisboa, numa área urbana, tem razão de ser a existência de 53 freguesias?

                O Professor Jorge Miranda refere que essas freguesias, ou pelo menos grande parte delas, não tem razão de ser (anexo nº2). Esta é uma tese à qual eu adiro inteiramente. Não está aqui em causa a extinção de todas as freguesias nem a supressão de autarquias locais. O que está em causa é a modificação ou extinção de algumas delas cuja existência não tem razão de ser. É necessário introduzir aqui um conceito de eficiência que na minha opinião não existe neste momento. A lei nº 8/93 relativa à criação de freguesias dispõe no seu artigo 3º que a Assembleia da República ter em conta:
a) A vontade das populações abrangidas, expressa através de parecer dos órgãos autárquicos representativos a que alude a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º desta lei;
b) Razões de ordem histórica, geográfica, demográfica, económica, social e cultural;
c) A viabilidade político-administrativa, aferida pelos interesses de ordem geral ou local em causa, bem como pelas repercussões administrativas e financeiras das alterações pretendidas.  

            A AR tem em conta estes factores na criação de freguesias pelo que também os devia ter em conta mesmo depois dessa criação. Se estes factores são apreciados na altura da criação de freguesias, também o deviam ser para a sua extinção. Ou seja, a inexistência destes elementos de apreciação devia resultar numa iniciativa para a sua extinção ou modificação. No que concerne à alínea b), verifica-se que a AR deve ter em conta diversas razões, entre as quais razões de ordem geográfica e económica. Será que as freguesias urbanas respeitam todas razões dessa ordem? E não me parece que, atendendo ao que está especificado na alínea c), seja viável manter muitas freguesias que geram repercussões negativas tanto a um nível financeiro como administrativo.

            Tal como refere o Professor Jorge Miranda, a extinção de freguesias não é inconstitucional pois elas continuarão sempre a existir. Mas dever-se-ia operar uma redução do número de freguesias existentes para garantir um mais eficiente funcionamento da Administração, principalmente pela redução de custos que traria. De acordo com o artigo 164º, alínea n) da CRP a criação, extinção e modificação de autarquias locais e respectivo regime compete à AR e é uma matéria de reserva absoluta de competência legislativa desta.

            Obviamente, a população residente na freguesia em causa nunca quererá ver a sua freguesia extinta ou modificada, mas a verdade é que para atingir um verdadeiro poder local, como o existente actualmente em Inglaterra, será sempre necessário tornar o nosso sistema mais eficiente, procedendo a uma reforma ou reestruturação das freguesias actualmente existentes.     

             Em suma, verificamos que é extremamente complexo interferir com o actual regime vigente das autarquias locais, não seria viável extinguir definitivamente o conceito de freguesias ou de municípios. Podemos também observar que seria pouco recomendável alterar agora o poder de tutela do Estado sobre as autarquias, sob pena de isso trazer consequências indesejáveis e imprevisíveis. Pelo que o que se propõe (e há já vários projectos de reforma que consagram esta solução ou que pelo menos vão neste sentido - anexo nº3) é efectivar-se uma progressiva alteração e reestruturação do sistema de poder local, começando pelas freguesias, transformando o seu sistema num sistema mais eficiente e menos dispendioso, que na minha opinião poderia começar com uma redução do exagerado número de freguesias urbanas.
           

Anexo nº2:
Anexo nº3:
http://www.publico.pt/politica/noticia/psd-e-cds-surpreendem-e-colocam-a-votacao-o-diploma-de-extincao-de-freguesias-na-proxima-semana-1575731
                                                           Francisco Felner da Costa

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