A descentralização é uma realidade hoje aceite e indubitável
em Portugal. A partir do momento em que existem pessoas colectivas diferentes
do Estado, que exercem actividades administrativas, existe descentralização em
sentido jurídico. O Professor Diogo Freitas do Amaral considera que, nos nossos
dias, temos também uma descentralização em sentido político porque estamos
perante um fenómeno de auto-administração, devido à eleição dos órgãos
representativos das populações locais por elas próprias.
Por outro lado, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa não
considera as autarquias locais como descentralização política mas somente descentralização
administrativa, tendo em conta a existência de faculdades inspectiva e
integrativa de tutela do Estado sobre as autarquias locais. Por vezes põe-se em
questão a possível existência de uma tutela de mérito sobre as autarquias
locais. O Professor Marcelo Rebelo de Sousa considera que “apesar das dúvidas
suscitadas acerca da boa administração [das autarquias locais], a consagração
da tutela de mérito pode acarretar um condicionamento muito intenso da
autonomia autárquica, de efeitos imprevisíveis”.
As
autarquias locais são expressamente consagradas pela Constituição da República
Portuguesa no seu artigo 235º. O artigo 236º, nº1, estabelece que “no
continente as autarquias locais são as freguesias, os municípios e as regiões
administrativas”. O tema central desta dissertação vai de encontro à primeira
destas autarquias locais. O Instituto Nacional de Estatística (INS) demonstra
que existiam em Portugal, no ano de 2010, 4260 freguesias (anexo nº1). Estas
freguesias gozam de autonomia face ao Estado e as suas únicas forma de controlo
materializam-se na tutela inspectiva e integrativa e em alguma dependência das
suas receitas face ao Estado.
Contudo, é ponto assente entre a
Doutrina que o poder local ainda não é um dado adquirido e que ainda há um
longo caminho a percorrer até chegar a um efectivo poder local, em que as
autarquias locais têm total autonomia, competências próprias e recursos
financeiros suficientes para se regerem sem necessidade de recorrer ao poder
central. Outro factor de discussão prende-se com a “boa administração” destas autarquias
locais. Se por um lado é verdade que os sucessivos Governos não têm cumprido a
lei no que toca aos montantes financeiros destinados ao poder local, também é
inegável que as autarquias locais têm despesas excessivas no cumprimento das
suas atribuições, e particularmente gastos excessivos em pessoal e em certos
serviços.
Como será possível resolver estes
problemas? Poder-se-ia insistir numa ampliação da tutela do Estado? Quanto a
este ponto, afigura-se difícil estar a modificar os termos actualmente existentes,
até pela complexidade da questão que traria desde logo a discussão em torno da
constitucionalidade dessas modificações. A tutela das autarquias locais, para
além do disposto no artigo 242º da CRP, é também regulada pelo artigo 8º da
Carta Europeia da Autonomia Local e que consagra uma tutela administrativa que
vise assegurar “o respeito pela legalidade e pelos princípios constitucionais”.
De todo o modo, a autonomia das autarquias locais é um limite material de
revisão, disposto no artigo 288º, alínea n) da CRP.
De facto, seria extremamente difícil
proceder-se a uma reforma do poder local. Todavia, e até para fazer frente ao
actual contexto de crise económica que se vive em Portugal, é imprescindível
actuar e modificar o regime vigente no âmbito das autarquias locais. Na minha
opinião, não parece correcto que um país com a dimensão territorial de Portugal
compreenda um total de 4260 freguesias. Mais freguesias significam mais juntas,
mais assembleias, mais serviços, mais tarefas. Implicam um aumento dos custos
que por vezes não são necessários. Só no município de Lisboa temos 53
freguesias. Será que dentro de um município como Lisboa, numa área urbana, tem
razão de ser a existência de 53 freguesias?
O Professor Jorge Miranda refere que
essas freguesias, ou pelo menos grande parte delas, não tem razão de ser (anexo
nº2). Esta é uma tese à qual eu adiro inteiramente. Não está aqui em causa a
extinção de todas as freguesias nem a supressão de autarquias locais. O que
está em causa é a modificação ou extinção de algumas delas cuja existência não
tem razão de ser. É necessário introduzir aqui um conceito de eficiência que na
minha opinião não existe neste momento. A lei nº 8/93 relativa à criação de
freguesias dispõe no seu artigo 3º que a Assembleia da República ter em conta:
a) A
vontade das populações abrangidas, expressa através de parecer dos órgãos
autárquicos representativos a que alude a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º
desta lei;
b) Razões
de ordem histórica, geográfica, demográfica, económica, social e cultural;
c) A
viabilidade político-administrativa, aferida pelos interesses de ordem geral ou
local em causa, bem como pelas repercussões administrativas e financeiras das
alterações pretendidas.
A AR tem em conta estes factores na
criação de freguesias pelo que também os devia ter em conta mesmo depois dessa
criação. Se estes factores são apreciados na altura da criação de freguesias,
também o deviam ser para a sua extinção. Ou seja, a inexistência destes
elementos de apreciação devia resultar numa iniciativa para a sua extinção ou
modificação. No que concerne à alínea b), verifica-se que a AR deve ter em
conta diversas razões, entre as quais razões de ordem geográfica e económica.
Será que as freguesias urbanas respeitam todas razões dessa ordem? E não me
parece que, atendendo ao que está especificado na alínea c), seja viável manter
muitas freguesias que geram repercussões negativas tanto a um nível financeiro
como administrativo.
Tal como refere o Professor Jorge
Miranda, a extinção de freguesias não é inconstitucional pois elas continuarão
sempre a existir. Mas dever-se-ia operar uma redução do número de freguesias
existentes para garantir um mais eficiente funcionamento da Administração,
principalmente pela redução de custos que traria. De acordo com o artigo 164º,
alínea n) da CRP a criação, extinção e modificação de autarquias locais e
respectivo regime compete à AR e é uma matéria de reserva absoluta de
competência legislativa desta.
Obviamente, a população residente na
freguesia em causa nunca quererá ver a sua freguesia extinta ou modificada, mas
a verdade é que para atingir um verdadeiro poder local, como o existente actualmente
em Inglaterra, será sempre necessário tornar o nosso sistema mais eficiente,
procedendo a uma reforma ou reestruturação das freguesias actualmente
existentes.
Em suma, verificamos que é extremamente
complexo interferir com o actual regime vigente das autarquias locais, não seria
viável extinguir definitivamente o conceito de freguesias ou de municípios.
Podemos também observar que seria pouco recomendável alterar agora o poder de
tutela do Estado sobre as autarquias, sob pena de isso trazer consequências
indesejáveis e imprevisíveis. Pelo que o que se propõe (e há já vários
projectos de reforma que consagram esta solução ou que pelo menos vão neste
sentido - anexo nº3) é efectivar-se uma progressiva alteração e reestruturação do sistema
de poder local, começando pelas freguesias, transformando o seu sistema num sistema
mais eficiente e menos dispendioso, que na minha opinião poderia começar com
uma redução do exagerado número de freguesias urbanas.
Anexo nº 1: http://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_indicadores&indOcorrCod=0000351&contexto=bd&selTab=tab2
Anexo nº2:
Anexo nº3:
http://www.publico.pt/politica/noticia/psd-e-cds-surpreendem-e-colocam-a-votacao-o-diploma-de-extincao-de-freguesias-na-proxima-semana-1575731
http://www.publico.pt/politica/noticia/psd-e-cds-surpreendem-e-colocam-a-votacao-o-diploma-de-extincao-de-freguesias-na-proxima-semana-1575731
Francisco
Felner da Costa
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