quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Natureza Jurídica da delegação de poderes

Para analisar esta pequeno tema, inserido na delegação de poderes, é importante fazer algumas considerações gerais.
O art. 35º, nº1, CPA, refere-se à delegação de poderes como o acto pelo qual os orgãos administrativos, normalmente competentes para decidir em determinada matéria, podem, sempre que para tal estejam habilitados por lei, permitir, através de um acto de delegação de poderes, que outro orgão ou agente pratique actos admninistrativos sobre a mesma matéria.
A noção de delegação de poderes constante neste artigo, gera consenso entre os partidários de qualquer das várias teses acerca da natureza jurídica, que irei de seguida enunciar.
Não contando com a visão de certos autores, como João Caupers, em que a delegação de poderes é um acto da administração, as posições doutrinárias da doutrina portuguesa, reconduzem-se a três grandes grupos: as que associam o acto de delegação de poderes a uma autorização; as que consideram ser um acto de transferência de competência; e as que consideram um acto de ampliação de competência.

A tese da autorização
Introduzida em Portugal por André Gonçalves Pereira e adoptada por Marcello Caetano, Sérvulo Correia, emntre outros. Para estes autores, não é o acto de delegação que atribui a competência delegável ao órgão no qual ela pode ocorrer, sendo essa competência já existente na esfera daquele órgão, antes do acto de delegação. A fonte desta competência só pode decorrer, implicitamente, da própria norma de habilitação, permitindo a prática de um acto de delegação, e também a competência ao órgão no qual a lei permite a delegação.
Antes da prática do acto de delegação, existe uma situação de competência comum do delegante e do delegado, mas enquanto a competência do potencial delegante é alternativa (podendo escolher entre exercer a competência ou permitir que outro órgão exerça), a competência do potencial delegado é condicionada (tendo de ter autorização do delagante - acto admninistrativo de autorização).
A esta tese, costumam estar associadas quatro grandes consequências:
1º possibilidade de o potencial delegado requerer ao potencial delegante que emita o acto de delegação;
2º existência, após a delegação de poderes, de uma competência simultânea: tanto o delegado como o delegante podem praticar actos que traduzam o exercício da competência delegada;
3º a prática de actos pelo delegado, sem prévio acto de delegação, não gera incompetência, mas sim vício de forma;
4º a avocação não consiste numa reversão da competência delegada para a esfera do delegante, uma vez que tal competência nunca abandonou esa esfera, mas numa proibição de o delegado exercer a competência delegada num caso individual, com o objectivo de evitar decisões concorrentes na mesma matéria.

A tese da transferência da competência
A delegação de poderes não autoriza o exercício de uma competência preexistente: antes do acto de delegação, a competência delegável pertence apenas ao potencial delegante. Deste modo, a natureza da delegação de poderes consiste num acto pelo qual qual o órgão delegante transfere a competência para o potencial delegado (Prof. Diogo Freitas do Amaral e Prof. Marcelo Rebelo de Sousa).
As consequências desta tese são opostas às da tese anterior:
1º o potencial delegado não pode requerer ao delegante a prática do acto de delegação, uma vez que não é titular de qualquer situação jurídica que o legitime (Prof. Freitas do Amaral);
2º na vigência da delegação de poderes, existe uma situação de competência singular do delegado, podendo apenas este praticar actos da competência delegada, excepto se o delegante, através de um acto de avocação, chamar a si o exercício da competência num caso individual;
3º a prática de actos no âmbito da competência delegável, pelo potencial delegado, sem prévio acto de delegação, gera o vício de incompetência relativa.
Esta é a posição maioritária na doutrina portuguesa, tendo sido pela primeira vez desenvolvida pelo Prof. Diogo Freitas do Amaral e posteriormente por Rogério Ehrhardt Soares, Marcelo Rebelo de Sousa, entre outros.
Nesta tese, existem duas variantes: para uma, a delegação de poderes transfere o mero exercício da competência; para outra, a delegação de poderes transfere a competência plena.

  • Tese da transferência do exercício da competência
Esta tese é a que tem reunido um maior número de apoios na doutrina portuguesa: Diogo Freitas do Amaral, Fausto de Quadros e Rogério Ehrhardt Soares.
Na base desta tese está uma dissociação entre a titularidade e o exercício da competência. A plenitude da competência mantém-se no potencial delegante, apenas se procede à transferência do mero exercício da competência para o delegado, através do acto de delegação. Na vigência desta delegação, a competência apenas pertence ao delegado, mas a titularidade da mesma mantém-se sempre na esfera do delegante.

  • Tese da transferência da competência plena
Defendida apenas por Marcelo Rebelo de Sousa. Rejeita a cisão entre titularidade e o exercício da competência. Através do acto de delegação, o potencial delegante transfere a sua competência, na plenitude, para o delegado, não havendo distinção entre titularidade e exercício da competência.

Tese da ampliação da competência
As raízes desta tese encontram-se em Furtado dos Santos, mas foi o Prof. Paulo Otero quem a desenvolveu. Concordando com a tese da autorização, a lei da habilitação confere directamente a competência delegável ao potencial delegado, sendo, antes da delegação, uma situação de competência comum entre este órgão e o potencial delegante.
No entanto, à semelhança da tese da transferência do exercício da competência, aceita-se a separação entre a titularidade e o exercício da competência: a norma habilitante apenas confere ao delegado, a titularidade da competência, podendo exercer tal competência mediante acto do delegante que lhe confira a faculdade do seu exercício. O acto de delegação tem assim o alcance de alargar a competência do órgão delegado, tornando-a plena.
Esta tese é, de certo modo, uma via intermediária entre as teses da autorização e da transferência do exercício da competência, pelo que as suas consequências são também uma combinação:
1º sendo originalmente titular da competência delegável, o delegado pode requerer ao potencial delegante que lhe transfira o seu exercício;
2º durante a vigência, passa a existir uma situação de competência comum alternativa entre o delegante e o delegado, podendo ambos praticar actos no âmbito da competência delegada;
3º o vício dos actos praticados no âmbito da competência delegável, pelo delegado, sem acto de delegação eficaz, é de incompetência - incompetência delegada;
4º a avocação não envolve uma reversão da competência delegada, para a esfera do delegante, uma vez que tal competência nunca abandonou essa esfera.

                                                                                                
                                                                                           Mariana Serra, nº 22024

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