domingo, 9 de dezembro de 2012

O uso do direito privado pela Administração segundo a visão de Cabral de Moncada


O uso do direito privado pela Administração segundo a visão de Cabral de Moncada

Em que medida pode a administração usar o direito privado na prossecução das suas actividades próprias e para as quais necessariamente existe? Ao fazê-lo fica desvinculado de todo um conjunto de deveres de ordem pública? Será o regime do direito público com a presença dos poderes de autoridade um dever para a administração, ou poderá este ser substituído?
Procuraremos então, segundo a visão de Cabral de Moncada, responder a estas questões.
Antes de mais, a concepção de Estado e de Administração tem vindo a sofrer evoluções ao longo do tempo. Na fase anterior ao Estado Constitucional, ou seja, no Estado-de-polícia era amplamente usado o direito privado, com finalidades instrumentais para as suas atribuições. Note-se que, aqui, a actividade não era administrativa, por não recorrer aos poderes unilaterais de autoridade. Os particulares encontravam-se no mesmo plano da Administração e podiam dirigir-se, assim, aos tribunais comuns para fazerem valer os seus direitos, quando a Administração usava o direito privado. Fora do direito privado a Administração era poder e a via judicial estava vedada aos particulares.
No período liberal, anterior à Constituição de Weimar não se verificaram grandes alterações, para além da grande força que a figura do Fisco foi ganhando.
Hoje em dia, as exigências a fazer ao Estado são distintas, mudando-lhe o estatuto atribuído, que passa de político a constitucional. Agora existem verdadeiras tarefas administrativas e legislativas, consideradas de interesse público pela própria Constituição, e de enorme importância, enquanto característica do Estado constitucionalmente pretendido.
Agora, os particulares têm ao ser dispor muitos meios processuais para a garantia dos seus direitos contra as actuações unilaterais e autoritárias da Administração.
No entanto, voltando ao tema que nos diz respeito, as razões para o uso do direito privado no contexto actual são mais evidentes do que nunca. O direito privado permite a obtenção de excedentes económicos, necessários para a promoção do bem-estar, o que não pode ocorrer no direito público, começando pela sua natureza. 
- A  informalidade, certeza e capacidade de adaptação do direito privado facilitam o encontro de vontades. Assim, Cabral de Moncada considera que, “se é a actividade comercial o que a Administração quer levar a cabo, seja para promover o bem-estar, seja por considerações políticas colectivas, nada mais indicado do que o direito privado”.
A aproximação ao direito privado por parte das empresas do sector público tem sido bastante frequente.
A privatização ressentiu-se do impacto da UE. Muito embora o Tratado, no seu artigo 295.º tenha resguardado o regime da propriedade nos Estados-membros, a realidade é que a generalização da livre concorrência e do mercado, assim como as várias liberdades de circulação e a proibição de alguns subsídios, apenas são compatíveis com a privatização de todo o sector público empresarial, na opinião do Autor. Seguindo a expressão inglesa “privatisation brings regulation” o Autor considera que o principio da menor intervenção do Estado é compatível com o respectivo controlo da forma como são prestados os serviços públicos.

Podemos assim afirmar que o triunfo do direito privado está relacionado com a compreensão de que não há substituto do mercado, como meio geral de regulação económica. A intervenção direito privado, deixou de ser um reflexo de opções ideológicas para se tornar um meio natural da economia.
A razão de ser do uso do direito privado pela Administração não é sempre a mesma: em certos casos, relaciona-se com o desempenho das funções administrativas, sendo que o direito privado acaba por corresponder a um esforço de eficácia; noutros, relaciona-se com a tentativa de retirar os entraves burocráticos do direito público. Já na Alemanha, importa frisar, que o direito privado foi sempre o ambiente normal da dita Administração intervencionista.

É inegável o complexo relacionamento existente entre o direito privado e o Direito Administrativo, pois “tão depressa se analisa na privatização do direito usado pela Administração, como na publicização do direito em causa” verificam-se no plano descendente a partir da Constituição, conduzido à publicização, e no plano ascendente a partir das necessidades de trato económico, conduzindo à privatização. O que importa saber, é, que nenhum deles é exclusivo, deve “combinar-se em doses variáveis, ao serviço da eficácia da acção administrativa mas também da garantia dos particulares”, diz-nos o Autor. Sabemos que a privatização do regime jurídico da actividade administrativa teve custos: o regime administrativo está associado aos poderes unilaterais da administração e uma garantia desses mesmos poderes perante o exercício do poder. Desta feita, a privatização vai significar em parte, o desaparecimento e pode até virar as costas às garantias proporcionadas aos particulares pelo Direito Administrativo. São consequências inegáveis, verificadas pela experiência.
A verdade é que o Direito Constitucional acaba por modificar o direito privado nas mãos da Administração. Tal pode observar-se na influência limitativa que certos princípios constitucionais têm sobre a liberdade contratual.
Em Portugal, as exigências de imparcialidade estão bastante vincadas. São exemplos: as incompatibilidades profissionais, a disciplina procedimental das despesas da Administração, entre outras.
Assim sendo, surgem os princípios como a imparcialidade e igualdade, que são aplicados ao uso do direito privado pelas entidades públicas e à actividade das entidades privadas integradas a administração.
Ao uso do direito privado são impostas limitações constitucionais, como o artigo 18.º da CRP e o artigo 266.º nº2 da mesma. No sentido da última, poderemos ainda ter em conta os artigos 2º e 5.º do CPA.
Não podemos concluir que todo o direito privado utilizado pela Administração esteja constitucionalizado. O que se conclui é que este é permeável ao conteúdo constitucional dos direitos fundamentais. Também a Constituição entende o individuo autónomo, tendo em conta o livre desenvolvimento da personalidade e apenas exigindo que colabore solidariamente para o todo social. É garantido no texto da Constituição o individuo privado, base do direito civil.

Mesmo quando a Administração exerce a actividade empresarial não se poderá comportar, nem o faz, como sendo um particular. Assim, em conclusão, o fenómeno da privatização insere-se numa tendência actual para a superação da lei e dos instrumentos administrativos tradicionais. A Administração tem a liberdade de escolha das formas orgânicas de administração, apesar do núcleo de funções do Estado poderá não ser privatizável, tais como, na nossa opinião, os serviços de saúde e educação. No entanto, independentemente do seu âmbito e natureza, não representa a renúncia da garantia dos particulares no seu contacto com a Administração. Como afirma o autor e bem “nada está perdido com a privatização”.

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