domingo, 9 de dezembro de 2012

Os Princípios a par da Privatização


A privatização da Administração Pública é, em sentido muito amplo, um fenómeno que se traduz no exercício por entidades privadas de funções de natureza administrativa ou, segundo outra perspectiva, na transferência para particulares do exercício de poderes soberanos normalmente integrantes da esfera das autoridades públicas. De acordo com o Professor Paulo Otero podemos recortar seis conceitos jurídicos ou modalidades de privatização da Administração Pública, são estes os seguintes: privatização da regulação administrativa da sociedade; privatização do direito regulador da Administração; privatização das formas organizativas da Administração; privatização da gestão ou exploração de tarefas administrativas; privatização do acesso a uma actividade económica; e, por último, a privatização do capital social de entidades empresariais públicas.

Um dos princípios informadores do Direito Privado e aquele mais característico é o princípio da autonomia da vontade, o qual se refere ao livre arbítrio, isto é, ao poder de autodeterminação do Homem. A autonomia privada é um poder atribuído pelo ordenamento jurídico aos particulares permitindo que estes produzam normas jurídicas a fim de satisfazer os seus interesses privados. Porém o Estado surge para prosseguir fins alheios que o transcendem, diferentemente do que acontece com o homem, razão pela qual a actuação estatal não pode ser fundamentada com base no princípio da autonomia privada. Ao Estado é vedada qualquer manifestação de arbítrio. Temos o princípio da proibição do arbítrio como parâmetro para o agir da Administração Pública. Este princípio atribui competência à Administração para actuar onde a legalidade não alcança, mas ainda dentro dos limites do Direito. Nem sempre se encontra uma norma expressa atributiva de competência quanto à actuação do Estado. Neste sentido, o arbítrio, através da sua proibição, torna-se numa cláusula geral atributiva de competências que funciona quando não há norma expressa aplicável. Esta proibição é uma garantia de que a acção do Estado pode ter lugar apesar de não haver lei a permiti-la, ao impor um limite intransponível, ao mesmo tempo que atribui ampla competência à Administração. O benefício da atribuição de competência ser concedida por meio de um princípio geral de direito reside na sua indeterminação e na sua consequente plasticidade, na medida em que abrange qualquer actividade administrativa demandada pela sociedade que não encontre suporte legal. Ora a Administração Pública, mesmo quando funciona no âmbito do Direito Privado, deve ter em conta determinadas barreiras jurídicas estabelecidas por meio de normas que limitam a acção individual.

Temos, igualmente, o princípio da eficiência, que deve orientar a actividade administrativa. Na busca da Administração Pública pela eficiência vislumbra-se, dentre outros, o fenómeno da privatização. Todas as alternativas de privatização têm de ser acompanhadas da eliminação de regimes de monopólio e a implantação de esquemas competitivos. Através da competição obtêm-se graus maiores de eficiência, com preços mais reduzidos, conseguindo-se assim satisfazer o interesse público. Quando a Administração Pública migra para o Direito Privado, ela o faz com a justificativa de que poderá cumprir com maior eficiência as funções que lhe são impostas pela sociedade. O princípio da eficiência traduz-se na busca de uma optimização dos meios em função dos fins que está a perseguir, isto é, traduz-se no dever de realizar as atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. Dentro desta noção podemos dizer que se visa atingir os objectivos de forma mais rápida e económica.

  Ligado ao princípio da eficiência está o princípio da prossecução do interesse público. Segundo o artigo 81.º da CRP e o artigo 10.º do CPA a Administração Pública tem de servir o interesse público. A privatização dos serviços públicos só pode ser feita se a empresa que passar a gerir tais serviços tiver os requisitos técnicos e económicos necessários, caso contrário será prejudicado o interesse público que se visa satisfazer com a devida prestação de serviços públicos. O maior problema será o facto de o principal objectivo das empresas privadas ser o lucro, daí resultando a dificuldade de conciliação do interesse público com os interesses privados destas empresas.  Assim, importa salientar que o processo de privatização não significa o final dos compromissos essenciais do Estado na realização do interesse público, na tutela dos direitos dos cidadãos e na dignidade da pessoa humana. Resulta daqui um subprincípio que é, precisamente, o da impessoalidade. Este traduz-se na ideia de que o administrador fica impedido de buscar um objectivo próprio ou de terceiro sendo necessário que tenha em conta o interesse público. Há quem considere que este princípio se aproxima do da igualdade na medida em que a Administração Pública tem o dever de tratar todos os administrados sem descriminações benéficas ou detrimentosas. Deste modo, para se evitar a violação do princípio geral da proibição do arbítrio tem de se ter em conta os parâmetros de actuação impostos pelo princípio da impessoalidade, isto é, jamais poderá actuar movida por factores pessoais e subjectivos. Ainda englobados pelo princípio da supremacia do interesse público temos o princípio da procedimentalização e o princípio da fundamentação das decisões. O primeiro impõe à Administração o dever de adoptar um procedimento, cujos elementos estejam estruturados numa organização racional e lógica, tendente à eficiência e acerto da decisão administrativa. O procedimento deve permitir a coordenação dos diversos interesses, conforme a finalidade a que se busque concretizar. O segundo decorre do ónus de demonstrar a correlação lógica entre os dados da realidade e a providência administrativa tomada. A importância da fundamentação decorre da necessidade de se questionar o acto praticado. Este princípio tem tal importância que uma decisão carecedora de fundamentação será tida como  nula.

O acto administrativo deve estar potencialmente submetido a um controle judicial, seja este praticado no âmbito do Direito Administrativo, seja ele no âmbito do Direito Privado (princípio da sujeição ao controle judicial). O controle judicial é mais ténue quando o acto admistrativo está vinculado a uma regra e, quando se trata de um acto vinculado a um conceito jurídico indeterminado, dada a sua maior vagueza e maior grau de abstracção, será maior o grau de controle.

Assim, podemos concluir que a acção da Administração segundo o direito privado não traduz uma alteração de fundo da acção estadual, uma vez que continua a sujeitar-se ao Direito mesmo no momento do impulso para a acção. O Direito Privado aplicado pela Administração pública assume assim uma natureza suis generis: trata-se de um Direito Privado administrativizado ou publicizado e, por isso mesmo, diferente do Direito Privado aplicado pelos particulares nas suas relações entre si.
 
Filipa Moreira, nº 20742

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