Frases para comentar (V)
V. Sobre o
direito administrativo europeu e global:
“Assiste-se, então, a uma perda da dimensão estadual do Direito Administrativo. O que resulta do «desaparecimento da ligação necessária do Direito Administrativo ao Estado, tão característica dos primórdios do nosso ramo de direito, não só do ponto de vista interno como, agora também, do europeu e mesmo do internacional.” (Vasco Pereira da Silva, Do Direito Administrativo Nacional ao Direito Administrativo sem Fronteiras, in Ingo Sarlet/Vasco Pereira da Silva, Direito Público sem Fronteiras, p. 214)
A integração de Portugal na União Europeia e noutras
organizações supranacionais tem levado a uma modificação dos institutos tradicionais
do direito público. Fenómeno relativamente recente, não só no nosso país, mas
comum aos outros ordenamentos jurídicos, especialmente europeus.
A “crescente abertura da estadualidade” (como chamam alguns
autores), decorrente da integração de Portugal em diversas organizações
internacionais tem, assim, contribuído, com a influência decisiva destas, para
uma modificação das características do direito administrativo entendido como
subordinado à lei, expressão legítima do poder democrático.
O entendimento tradicional da actividade administrativa não é
harmonioso na colocação actual de novos problemas sobre a governação nacional
de interesses públicos globais (ex. ambiente, direitos humanos, regulação da
economia), que fazem com que uma decisão administrativa nacional tenha hoje importância
em diferentes constelações jurídicas, exigindo novos modos de resolução de
conflitos.
A integração do Estado em comunidades jurídicas internacionais
e a sua vinculação a instituições internacionais de carácter inter-governamental
(como a Organização Mundial de Comércio, o FMI ou o Banco Mundial), criadas com
vista a combater e dar resposta a alguns desafios da pós-modernidade, tanto em
áreas como a protecção do ambiente, dos direitos humanos ou até da regulação
económica, possibilita que a esfera jurídica em que se move a Administração
Pública deixe de estar limitada à concretização das políticas nacionais e passe
a contar com esferas sobrepostas de “normatividade
superestadual”, reguladora das relações jurídicas no espaço nacional, criando
um “espaço administrativo multifacetado”.
O fenómeno em questão deu-se
no nosso país mais intensamente com a crescente europeização do Direito Administrativo.
Contribuindo para esta “europeização” está o progressivo número
de fontes jurídicas europeias relevantes em matéria de Direito e de Processo
Administrativo e um reforço da integração jurídica horizontal com a adopção de
políticas comuns, que tem como consequência a unificação da jurisprudência
europeia e a aproximação das legislações dos diferentes Estados-Membros.
Assistiu-se, desta forma, “desaparecimento da ligação
necessária do Direito Administrativo ao Estado” que caracterizava os primórdios desse ramo de direito.
A actividade administrativa deixou de ser unicamente estadual, dando-se ao
mesmo tempo o surgimento de uma dimensão internacional de realização da função
administrativa (na esfera das organizações internacionais). Mas é no âmbito do
Direito da União Europeia que se concretiza
verdadeiramente esta dimensão “transfronteiriça”
do Direito Administrativo, com a criação de uma verdadeira ordem jurídica,
resultado da conjugação de fontes comunitárias com fontes nacionais e que
vigora automaticamente na ordem jurídica dos Estados-Membros (esta recepção do
direito europeu no nosso ordenamento faz-se através do artigo 8º da
Constituição).
A construção da Administração
Pública europeia assentou em princípios e regras diferentes dos tradicionais. Construiu
a legitimidade, não sobre o princípio da legalidade e da juridicidade, mas sim sobre
os princípios da participação, transparência e proporcionalidade. Este novo
modo de produção do direito administrativo reflectiu-se em modificações nos
ordenamentos jurídicos nacionais.
A influência do direito
europeu sobre os ordenamentos jurídico-administrativos dos Estados-membros traduziu-se,
mais concretamente, na alteração de algumas características deste ramo do
direito como, por exemplo: a instituição de regras jurídicas comuns para os
sujeitos privados e as entidades públicas (ex. em matéria contratual e em
matéria de direito comercial); a mitigação da diferença entre direitos subjectivos
e interesses legítimos (ex. o aprofundamento da cidadania activa determinando
que em matéria ambiental e financeira, cada vez mais se reconheçam novos
direitos procedimentais e processuais aos cidadãos para defesa de bens e
valores jurídicos da comunidade, configurados como verdadeiros direitos
subjectivos); a diminuição da discricionariedade administrativa (redução do
peso das entidades públicas na escolha do bem comum e a necessidade da
respectiva conformação com os estudos publicados pelas entidades internacionais
às quais a UE se vincula em nome dos Estados-membros).
Concluímos, então, com a
constatação de uma reconfiguração factual das estruturas da organização
administrativa nacional em função de um desenho delineado por normas de direito
europeu com manifestações práticas desta incidência do Direito da União
Europeia no processo de adaptação, e mesmo de transformação, de conceitos e
princípios tradicionais do Direito Administrativo dos Estados-membros, como
sejam o princípio da legalidade, a natureza das fontes do Direito
Administrativo ou a protecção provisória dos direitos dos administrados.
Bibliografia: http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/SuzanaAdm.pdf
http://www.fd.ul.pt/Portals/0/Docs/Cursos/MesProf/08-09/Disciplinas/diradmeur.pdf
Mª Rita Anunciação
Nº. 22055
Mª Rita Anunciação
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