domingo, 9 de dezembro de 2012

Os princípios constitucionais e a "Torre de Babel"


Estando praticamente todos os temas individualmente tratados, penso que podemos fazer uma breve consideração geral sobre a Administração Pública portuguesa ou a “Torre de Babel”, como se lhe refere o Professor Vasco Pereira da Silva.

Como sabemos, a organização administrativa portuguesa está dividida em Administração estadual directa, Administração pública indirecta, Administração pública sob forma privada e Administração autónoma (classificação proposta pelo Professor Vasco Pereira da Silva). Tal como decorre do artigo 199º, alínea d) da Constituição da República Portuguesa, o Governo dirige os serviços e a actividade da administração do Estado, superintende e exerce tutela sobre a administração indirecta e exerce somente tutela sobre a administração autónoma. Quanto à administração pública sob forma privada, entramos no âmbito das concessões e privatizações feitas por outras pessoas colectivas, tema que também já foi abordado.

Posto isto, interessa agora compreender se este sistema é eficiente. O Título IX da nossa Constituição refere-se especificamente à Administração Pública. É particularmente importante o artigo 267º do qual podemos retirar alguns princípios que nos permitem compreender melhor a existência desta “Torre de Babel”. No entender do Professor Freitas do Amaral este artigo 267º, nos seus números 1 e 2, consagra cinco princípios constitucionais referentes à organização administrativa. São eles:

1)      Princípio da desburocratização;
2)      Princípio da aproximação dos serviços às populações;
3)      Princípio da participação dos interessados na gestão da Administração Pública;
4)      Princípio da descentralização;
5)      Princípio da desconcentração.

O trabalho que me propus realizar consiste em perceber como é que estes princípios influenciam a própria organização administrativa e em que medida contribuem para a construção da “Torre de Babel”.

Em primeiro lugar, quanto ao princípio da desburocratização, este princípio não tem influência directa, a meu ver, na “Torre de Babel” propriamente dita, ele visa simplesmente tornar o funcionamento da Administração Pública mais adequado, menos complexo e demorado. Este princípio visa principalmente melhorar a eficiência da actividade da Administração Pública.

Por outro lado, se analisarmos o princípio da aproximação dos serviços às populações num sentido lato, conseguimos reconduzi-lo à Administração indirecta e autónoma. A aproximação dos serviços às populações é algo que muito dificilmente pode ser deixado a cargo da Administração directa e do poder central. Este é um trabalho para o poder local e para outras formas de Administração indirecta e autónoma, que através dos seus órgãos e serviços podem fornecer uma melhor garantia de aproximação às populações que o Estado. Compreende-se que Administração autónoma e indirecta prossigam esta aproximação pois podem fazê-lo de forma mais eficaz, sendo que o Estado reserva para si os poderes de tutela ou de tutela e superintendência.

O princípio da participação dos interessados na gestão da Administração Pública legitima, na minha opinião, a existência dos fenómenos de privatização e concessão. Embora este princípio sirva normalmente para justificar a existência de órgãos de participação dos cidadãos e de organizações e associações representativas dos cidadãos penso que ele pode ser visto como algo mais. O Professor Freitas do Amaral refere esses órgãos e organizações representativas e sublinha ainda que “de um ponto de vista funcional, o que decorre do princípio da participação é a necessidade da colaboração da Administração com os particulares (CPA art. 7º) e a garantia dos vários direitos de participação dos particulares na actividade administrativa (CPA, art. 8º).”

Partilho da opinião do Professor Freitas do Amaral, contudo, julgo que é possível estender o princípio da participação a um nível superior. Se um particular pretende participar activamente na gestão da Administração Pública através de uma prossecução dessa Administração sob forma privada, este princípio legitima-o para tal e desde que haja vantagens para o Estado parece-me até bastante adequado. Os interessados podem participar desta forma activamente na Administração Pública, ficando o Estado adstrito aos mesmos deveres estabelecidos nos artigos 7º e 8º do CPA. Logo, parece-me que o princípio da participação dos interessados na gestão da Administração Pública explica o porquê da existência de uma Administração Pública sob forma privada na “Torre de Babel”.

Quanto ao princípio da descentralização, é visível que ele contribui para a actual organização administrativa, e que é este princípio o que justifica em maior grau a existência de autarquias locais que se enquadram no âmbito da Administração autónoma.

Por fim, o princípio da desconcentração pode efectivamente estar ligado a toda a organização administrativa, pois ele está na base na divisão de competências e atribuições por todas as formas de Administração. É com base neste princípio que se faz, por exemplo, a delegação de poderes. A Administração Pública deve ser tendencialmente cada vez mais descentralizada.

O Professor Freitas do Amaral conclui dizendo que a Constituição está nesta matéria quase inteiramente por cumprir. Adita ainda o Professor que “o legislador ordinário não tem mostrado capacidade realizadora suficiente para concretizar os princípios constitucionais”.

Com o devido respeito pela opinião do Professor, faço uma leitura diferente, talvez mais aberta, destes princípios constitucionais. Estes são princípios programáticos, visam direccionar a Administração Pública num sentido em que estes princípios sejam realizados e respeitados e que toda a restante legislação se reja por eles. Não me parece que não se esteja a seguir as orientações destes princípios. O que se verifica não é um desrespeito total pelos princípios constitucionais. Na minha opinião estes princípios estão a orientar a actividade da Administração que vai lentamente e progressivamente caminhando para uma Administração Pública que se paute por todos os princípios e se torne efectivamente numa Administração desburocratizada, próxima dos cidadãos, que estimule a participação destes e cujos poderes estejam descentralizados e desconcentrados.

A “Torre de Babel” pauta-se por estes princípios, só desta forma se explica que o nosso modelo administrativo não assente num reforço da Administração directa. Cada vez mais a Administração segue os princípios acima referidos mas esta “Torre” não se constrói num dia e é necessário solidificá-la e fazer frente a todas as dificuldades que vão entretanto aparecendo. 

Francisco Felner da Costa

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