1.Enquadramento
A Administração está subordinada à
lei nos termos do princípio da legalidade. A lei determina-lhe os fins que
há-de prosseguir, bem como os meios adequados à prossecução. A regulamentação
legal da actividade administrativa umas vezes é precisa, mas outras vezes é
imprecisa, ou seja, não associa à situação jurídica uma consequência jurídica,
mas habilita a Administração a determinar ela própria essa mesma consequência.
Ou seja, não há uma vinculação legal de adoptar dada conduta: o legislador
deixou um espaço de liberdade ao agente administrativo para agir, segundo
critérios que se prendem com as circunstâncias de cada caso em que essa
liberdade deva, por lei, existir.
Primeiro exemplo: acto
tributário – em matéria de impostos, a regulamentação é densíssima e tende a
haver, quase exclusivamente, apenas as condutas legalmente previstas e com
conteúdo legalmente previsto. A Administração, aqui, desempenha tarefas
puramente mecânicas, até chegar a um resultado que é o único legalmente
possível, de acordo com os critérios que a lei estipula aplicarem-se a cada
caso. Trata-se, sem dúvida, de um acto de autoridade, de uma manifestação de
poder, já que é uma decisão unilateral que define o direito no caso concreto, e
o define em termos que são obrigatórios. Mas é um acto vinculado.
Segundo exemplo:
nomeação de um governador civil. De acordo com a Lei, o Governo pode escolher
qualquer cidadão português. Ou seja, a nomeação é um acto discricionário em
bastantes aspectos, no entanto, não o é em todos, porque o governo não pode,
por exemplo, nomear estrangeiros. Neste caso, a lei praticamente nada diz, atribuindo
uma significativa margem de autonomia à Administração pública. É esta que tem
de decidir segundo os critérios que em cada caso entender mais adequados à
prossecução do interesse público.
Em suma, temos num caso actos
vinculados, e no outro actos discricionários. Vinculação e discricionariedade
são, assim, as duas formas típicas pelas quais a lei modela a actividade da
Administração Pública. Os actos são vinculados quando praticados pela
Administração no cumprimento de uma norma que os imponha, e são discricionários
quando praticados no exercício de poderes discricionários, no âmbito de um
espaço de liberdade que a lei concedeu ao agente.
Contudo, em bom rigor, não há
actos totalmente discricionários, nem actos totalmente vinculados. Por isso,
não faz sentido, nem é útil, perguntar se os actos são vinculados ou
discricionários. O que interessa perguntar é em que medida é que são vinculados
e discricionários.
Retomemos os exemplos: Exemplo 1:
no caso do acto tributário, a vinculação é quase total, mas mesmo assim ainda
há uma pequena zona em que existe discricionariedade: a lei dá um prazo à
Administração Pública para praticar esses actos e, dentro desse prazo, a
Administração pode escolher livremente o momento (dia/hora) em que pratica o
acto.
Exemplo 2: a autonomia conferida
ao Governo é bastante ampla, mas a lei estabelece diversas condicionantes, como
por exemplo, dizer que a competência para nomear Governadores Civis pertence ao
Conselho de Ministros, sob proposta do Ministro da Administração Interna.
A competência é vinculada mesmo
nos actos discricionários. Também o fim do acto administrativo é sempre
vinculado. Se o acto for praticado com um fim diverso daquele para que a lei
conferiu o poder discricionário, o acto é ilegal.
2.Natureza da discricionariedade
Quanto à sua natureza, coloca-se a
questão de saber se pode o órgão competente escolher livremente qualquer uma
das várias soluções conformes com o fim da lei?
A resposta é não. O
processo de escolha a cargo do órgão administrativo não está apenas
condicionado pelo fim legal, mas também condicionado e orientado por ditames
que decorrem dos princípios e regras gerais que vinculam a Administração
Pública, estando assim o órgão administrativo obrigado a encontrar a melhor
solução para o interesse público, atendendo aos princípios gerais do Direito
Administrativo.
Quer isto dizer que o poder discricionário
não é um poder livre (dentro dos limites da lei), mas um poder jurídico.
Portanto, a lei, ao conferir a determinado órgão um poder discricionário, não
se satisfará com qualquer escolha que respeite o seu fim, antes pretende que
seja procurada aquela que, ponderados todos os factos e circunstâncias que
apenas in concreto podem ser descobertos, e observados os imperativos
que decorrem dos princípios da proporcionalidade, da igualdade, da boa fé e da
imparcialidade, o órgão administrativo tiver por a mais “certa”.
3.Qual o fundamento e o significado deste poder discricionário?
Há casos em que a lei pode regular
todos os aspectos e, nesses casos, a actuação da Administração Pública traduz-se
na mera aplicação da lei abstracta ao caso concreto. Porém, na maioria dos
casos, o legislador reconhece que não lhe é possível prever todas as
circunstâncias em que a Administração vai ter de actuar. Nem lhe é possível
dispor acerca das melhores soluções para prosseguir o interesse público em para
cada caso.
Para além destas razões práticas,
há também razões teóricas: o poder discricionário visa, antes de tudo,
assegurar o tratamento equitativo dos casos individuais. Juridicamente, o poder
discricionário fundamenta-se quer no princípio da separação dos poderes, quer
na própria concepção do Estado Social de Direito, enquanto Estado prestador e
constitutivo de deveres positivos para a Administração, que dispõe de uma
margem de autonomia jurídica.
É a conjugação desta dupla ordem
de razões que justifica, pois, uma abertura na densidade da regulamentação,
através da qual se confere à Administração competência para assegurar uma
melhor adequação da decisão às circunstâncias concretas.
O poder discricionário não é um
poder arbitrário: é um poder derivado da lei. O poder discricionário só pode
ser exercido por aqueles a quem a lei o atribuir, só pode ser exercido para o
fim em função do qual a lei o confere, e deve ser exercido de acordo com certos
princípios jurídicos de actuação.
Por último há meios jurisdicionais
para controlar o exercício do poder discricionário. O poder discricionário não
é uma excepção ao princípio da legalidade, mas sim uma das formas possíveis de
estabelecer a subordinação da Administração à lei.
4.Âmbito e limites
Quais os aspectos que a
discricionariedade pode abranger, na actuação da Administração pública? Qual o
seu âmbito? Em primeiro, o momento da prática do acto; depois, a decisão de
praticar ou não um certo acto administrativo; a determinação dos factos e
interesses relevantes para a decisão; o conteúdo concreto da decisão; a forma e
as formalidades; a fundamentação ou não da decisão; ou a faculdade de apor ou
não ao acto administrativo condições, termos, modos ou outras cláusulas
acessórias.
Quais os seus limites? Em primeiro
os limites legais e constitucionais. Depois, temos os limites que decorram de
auto-vinculação. Contudo, a possibilidade de auto-vinculação da Administração
não é ilimitada. A Administração não pode auto-vincular-se com desrespeito do
artigo 112.º, n.º 5 da CRP.
Como garantir a observância e o
respeito pelos limites do poder discricionário? A actividade da Administração
está sujeita a vários tipos de controlos. Por um lado controlos de legalidade
que podem ser feitos tanto pela Administração como pelos tribunais. Por outro
lado, está sujeita a controlos de mérito, que visam avaliar o bem fundado das
decisões da Administração, independentemente da sua legalidade – só pode ser
feito pela Administração.
Podemos, a este propósito, falar
de controlos jurisdicionais (efectuam-se através dos tribunais) e de controlos
administrativos (são realizados por órgãos da Administração).
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